Jornada para o Céu

São Tikhon de Zadonsk


Nascido em 1724 no vilarejo de Korotsk, na região de Novgorod, numa família simples de camponeses, ele recebeu o hábito monástico aos 34 anos de idade, e rapidamente, por causa de sua ascese e sabedoria espiritual, foi elevado a maiores funções até ser consagrado Bispo de Voronezh. Ele serviu como bispo por sete anos e então, por enfermidade, retirou-se para o mosteiro de Zadonsk e lá morreu em 1783. Suas relíquias miraculosas foram guardadas até os dias de hoje. Um grande asceta da Igreja Russa, ele foi também um raro pastor, um homem de oração e escritor de belas obras espirituais. Em sua sabedoria, sua santidade e ascetismo, ele podia ser contado como igual aos grandes Pais da Igreja Ortodoxa de tempos antigos. Por causa dos muitos milagres testemunhados que foram realizados sobre suas relíquias, foi proclamado santo pelo povo, e oficialmente reconhecido como tal pela Igreja em 1861. Sua comemoração se dá em 26 de agosto (13 de agosto do velho calendário).

Tropário, Tom 8

Desde tua juventude amaste o Cristo, ó abençoado / e foste modelo de palavra, vida, amor, espírito, fé e humildade / Agora que estás habitando nas mansões celestiais onde posta-se diante do trono da Santíssima Trindade / Santo pai Tikhon, orai para que nossas almas sejam salvas.

Kontakion, Tom 8

Ó sucessor dos Apóstolos, adorno dos Hierarcas e mestre da Igreja Ortodoxa / orai ao Senhor de todos para que Ele conceda paz ao mundo e grande misericórdia a nossas almas.

Sobre o amor a Deus

Queridos cristãos, todos os cristãos dizem, "Como podemos não amar a Deus?" ou, "Quem amaremos, se não Deus?" Isso é verdadeiro. Deus é o bem supremo, incriado, sem começo, sem fim, existente, sem mudança. Tanto quanto o sol brilha, e como o fogo aquece, assim é Deus bom por natureza. Ele é e sempre foi bom, uma vez que "não há bom senão um só, que é Deus" (Mt 19:17). Deus faz o bem até quando nos castiga, pois Ele castiga-nos para que possa nos corrigir. Ele nos atinge para que tenha misericórdia de nós; Ele nos dá tristezas para que possa verdadeiramente nos consolar. "Porque o Senhor corrige o que ama, e açoita a qualquer que recebe por filho" (Heb 12:6). Como então podemos não amar Deus tão bom? Deus é nosso Criador. Ele criou-nos do nada. Nós não existíamos, e eis que agora vivemos, nos movemos, e temos nosso ser. Suas mãos onipotentes nos fizeram e formaram. Ele criou-nos, ó homem, não como outras criaturas, sem racionalidade ou sentidos. Ele criou-nos por Seu conselho especial: "Façamos o homem" (Gen 1:26). Das outras criaturas é dito: "Ele mandou, e logo foram criados" (Sl 148:5), mas não foi assim com o homem. Como então? Façamos o homem, diz.

Que conselho santo e querido! O Deus Tri-hipostático, Pai, Filho e Espírito, diz do homem: "Façamos o homem". Que tipo de homem? "Em nossa imagem", diz, "conforme a nossa semelhança". Ó maravilhosa bondade de Deus para o homem! Ó excelente honra exaltada do homem! O homem foi criado por Deus na imagem e semelhança de Deus. Sobre qual criatura Deus conferiu tamanha honra? Não conhecemos nenhuma. Foi conferida ao homem e este foi honrado com a imagem de Deus. Ó amada e bela criação de Deus, o ser humano, imagem de Deus! Ele leva em si o selo real. Como o rei é honrado, assim é sua representação. Como a Deus Rei Celestial é devida toda honra, assim à Sua imagem, o ser humano. Deus despejou sua bondade sobre nós em nossa criação, ó cristão! Como então podemos deixar de amar a Deus?

Nós caímos e perecemos. Não podemos lamentar suficiente isso: "Todavia o homem, que está em honra, não permanece; antes é como os animais, que perecem" (Sl 48:13, LXX). Mesmo assim, Deus, que ama a humanidade, não nos abandonou, mas encontrou um modo maravilhoso de nos salvar. Ele enviou Seu Filho unigênito para salvar-nos e reunir-nos para Ele. "Porque Deus amou o mundo de tal maneira que deu o seu Filho unigênito, para que todo aquele que nele crê não pereça, mas tenha a vida eterna. Porque Deus enviou o seu Filho ao mundo, não para que condenasse o mundo, mas para que o mundo fosse salvo por ele" (Jo 3:16-17). Como então não amaremos Deus, que assim nos amou? Como todos O invocamos, Deus é cheio de Amor pela Humanidade; então o homem deve ser cheio de amor por Deus. Pois nada pode ser dado em retorno ao amor senão amor e gratidão.

Deus é nosso provedor. Ele pensa em nós e cuida de nós. Ele nos dá comida, o que vestir e onde morar. Seu sol, a lua e as estrelas nos dão luz. Seu fogo nos aquece e nós preparamos a comida nele. Sua água nos limpa e refresca. Seus animais nos servem. Seu ar nos mantém vivos. Em uma palavra, estamos cercados por Suas bênçãos e amor, e sem elas não poderíamos viver por um momento. Então como podemos não amar Deus que tanto nos ama? Nós amamos um ser humano que faz o bem; tanto mais devemos amar a Deus que faz o bem, A quem pertence nós mesmos e tudo que possuímos. Toda a criação e o próprio ser humano é propriedade de Deus. "Do Senhor é a terra e a sua plenitude, o mundo e aqueles que nele habitam" (Sl 23:1, LXX).

Deus é nosso Pai. Oramos a Ele e dizemos: "Pai nosso que estás no Céu". Verdadeiramente é dito: "Como podemos não amar a Deus?" Amor, como toda virtude, deve residir no coração. Deus não diz: ame, seja humilde, seja compassivo, ore, busque-Me", para nossos lábios, mas sim para nosso coração. E se este amor habita no coração, ele necessariamente se manifestará exteriormente.

Sobre o Evangelho da Salvação

Queridos cristãos! Nada é mais agradável, amável e doce a nós, pecadores, que o Evangelho. Mais bem-vindo do que pão para o faminto, bebida para o sedento, liberdade para o escravo e os aprisionados, é o Evangelho para os pecadores que entendem sua má condição.

"Porque o Filho do homem veio buscar e salvar o que se havia perdido" (Lc 19:10). Esta é a voz excelentemente doce do Evangelho. Quem é o Filho do homem? Ele é o Filho de Deus, o Rei do Céu, enviado por Seu Pai Celestial, Aquele que quis ser chamado Filho do homem por nós. Por qual motivo Ele veio? Para buscar e salvar a nós que estamos perdidos e trazer-nos para Seu reino eterno. O que poderia ser mais bem-vindo e desejável a nós que estamos perdidos? Mas vejamos que é o Evangelho, e o que requer de nós, e para quem é pregado corretamente.

1. Por seu próprio nome, o Evangelho é a mais feliz das notícias. Para todo o mundo ele prega Cristo, o Salvador do mundo, que veio buscar e salvar o que estava perdido. Ouçam todos, pecadores perdidos, ouçam à voz excelentemente doce do Evangelho! Ele grita a todos nós: "O Filho do homem veio buscar e salvar o que havia se perdido".

É coisa terrível ser encontrado em pecado diante de Deus. O Evangelho prega que nossos pecados são perdoados pelo nome de Cristo e que Cristo é nossa justificação perante Deus. Em ti, ó meu Salvador Jesus Cristo, Filho de Deus, sou justificado. Tu és minha verdade e iluminação.

É coisa terrível ser encontrado em inimizade com Deus. O Evangelho prega que Cristo nos reconciliou com Deus, e tendo vindo Ele pregou a paz a todos de perto e de longe. Coisa temível para nós é a maldição da Lei, pois somos todos pecadores; ela sujeita o pecador a penas temporais e eternas. O Evangelho prega que Cristo redimiu-nos da maldição da Lei, tendo se tornado a maldição por nós. Coisa temível para nós é a morte. O Evangelho prega que Cristo é nossa ressurreição e vida.

Coisa temível para nós é a Gehenna e inferno. O Evangelho prega que Cristo libertou-nos do inferno e suas calamidades. É coisa terrível para nós estarmos separados de Deus. O Evangelho prega que nós estaremos com o Senhor para sempre em Seu reino eterno.

Esta, abençoados cristãos, é a doce voz do Evangelho. "Provai", e então "vede que o Senhor é bom" (Sl 33:9, LXX). "Porque Deus amou o mundo de tal maneira que deu o seu Filho unigênito, para que todo aquele que nele crê não pereça, mas tenha a vida eterna. Porque Deus enviou o seu Filho ao mundo, não para que condenasse o mundo, mas para que o mundo fosse salvo por ele" (Jo 3:16-17). "Bendito o Senhor Deus de Israel, porque visitou e remiu o seu povo, e nos levantou uma salvação poderosa Na casa de Davi seu servo" (Lc 1:68-69).

2. É requerido de nós, cristãos, que recebamos essa voz celestial e essas doces notícias com gratidão enquanto são enviadas do Céu, e que demos sempre graças a Deus nosso Benfeitor a partir de um coração puro. Deus é ofendido por todo pecado. Estejamos longe de todo pecado e façamos Sua santa vontade para não ofendermos Ele que é nosso Pai compassivo e Benfeitor. "Venha o teu reino, seja feita a tua vontade, assim na terra como no céu" (Mt 6:10).

3. Para quem o Evangelho é pregado? Cristo responde: "O Espírito do Senhor é sobre mim, Pois que me ungiu para evangelizar os pobres. Enviou-me a curar os quebrantados de coração" (Lc 4:18). Em outras palavras, àquelas pessoas que, reconhecendo seus pecados, enxergam sua pobreza, má condiçã e baixeza, e possuam um coração contrito com temor do julgamento de Deus, a essas o Evangelho é corretamente pregado como remédio aplicado a um corpo ferido. Ouçam, almas tristes e contritas, ouçam a voz doce do Evangelho! "O Filho do homem veio buscar e salvar o que estava perdido!" Ele te busca e salva, porque você é um daqueles que Ele veio buscar. Aceite e confesse-se como pecador diante de Deus. Seus pecados serão também perdoados pelo nome de Cristo.

Veja, cristão, que o Evangelho não é planejado para aqueles cristãos que vivem imprudentemente e em iniquidade, e não reconhecem seus pecados, pobreza e má condição, e não possuem um coração contrito. O remédio é aplicado naquele que reconhece e admite sua fraqueza. A esses é dito: "Senti as vossas misérias, e lamentai e chorai; converta-se o vosso riso em pranto, e o vosso gozo em tristeza. Humilhai-vos perante o Senhor, e ele vos exaltará" (Tg 4:9-10). E novamente: "E também agora está posto o machado à raiz das árvores; toda a árvore, pois, que não produz bom fruto, é cortada e lançada no fogo" (Mt 3:10).

Pecadores! Tenhamos temor do julgamento de Deus e nos esforcemos por um coração contrito e humilde, para que recebamos do Evangelho como de uma fonte de água viva refrescante e consoladora, e recebamos a vida eterna em Cristo Jesus nosso Senhor, para quem seja a glória com o Pai e o Espírito Santo, pelos séculos dos séculos.

São Justino

Traduzido e adaptado de The Early Christian Writers de George Florovsky


São Justino nasceu por volta do ano 100 ou 110 em Flavia Neapolis (atual Nablus, na Palestina). Ele nos conta em seu Diálogo com Trifão que era um pagão em busca da verdade, primeiramente tendo sido estóico, depois peripatético e então pitagoriano. Ele era profundamente influenciado por Platão quando, de acordo com seu relato em Diálogo com Trifão, teve uma discussão com um ancião que deu-lhe provas convincentes de que o Platonismo jamais poderia acertar o coração do homem e chamou a atenção de São Justino para os profetas. "Quando ele tinha falado essas coisas e muitas outras... foi embora, sugerindo que eu desse atenção a isso. Não o vi desde então. Mas de uma só vez uma chama foi acessa em minha alma e desenvolveu em amor pelos profetas e por aqueles homens que são amigos de Cristo. Encontrei esta filosofia [isto é, o Cristianismo] como a única segura e proveitosa".

Sua conversão ao Cristianismo ocorreu provavelmente em Éfeso. Desde então ele passou o resto de sua vida explicando e defendendo a fé cristã, vestindo sempre - como fizeram Aristides, Atenágoras, Tertuliano e outros Padres Apostólicos - seu manto filosófico (τρίβώνιον ou pálio), um casaco esfarrapado usado pelos filósofos e posteriormente pelos monges como sinal de estudo severo e vida austera. Durante o reinado de Antonino Pio (138-161), São Justino mudou-se para Roma e estabeleceu ali uma escola. São Justino foi decapitado provavelmente em 165. O relato de sua morte no Marturiun S. Justini et Sociorum é baseado na transcrição oficial da corte quando Junius Rusticus foi prefeito (163-167) durante o reinado do Imperador Marcus Aurelius Antoninus, o filósofo estóico. A sentença pronunciada contra São Justino e seis outros cristãos lê: "Que aqueles que não aceitam sacrificar aos deuses e submeter-se ao comando do Imperador sejam flagelados e levados para a decapitação conforme a lei".

São Justino escreveu prolificamente, mas apenas três de suas obras chegaram a nós - suas duas Apologias (que podem ser uma só obra) e seu Diálogo com Trifão, a mais antiga apologia em face dos judeus. Possuímos apenas fragmentos - às vezes apenas o título - de outras obras escritas por São Justino. Um livro, ao qual ele mesmo refere-se em sua Primeira Apologia, foi escrito contra "todas as heresias" - Liber contra Omnes Haereses. Outro, mencionado por Eusébio e usado por Santo Irineu de Lyon, foi escrito em oposição a Marcião - Adversus Marcionem. Eusébio alega que São Justino escreveu um Saltério, do qual nada restou. Ele também escreveu um Discurso contra os gregos, uma Confutação (aos gregos), Sobre a Alma, Sobre a soberania de Deus e Sobre a ressurreição. Três fragmentos substanciais deste último foram preservados na Sacra Parallela de São João Damasceno.

São Justino teve diálogo com pensadores pagãos e, por isso, espera-se que ele teria tocado na maioria dos ensinamentos da fé cristã, diferentemente de documentos cristãos anteriores que foram escritos no contexto da comunidade cristã e pressupunham conhecimento da fé cristã por parte dos leitores. São Justino apresenta o Cristianismo como uma filosofia, uma realidade de pensamento que abraça toda vida e morte, como a realidade da vida. Em sua Primeira Apologia, ele escreve que o Logos "tomou forma e tornou-se homem, e foi chamado Jesus Cristo". O "verdadeiro Deus" é o "Pai da justiça", o "Deus não-gerado e impassível". Os cristãos adoram e cultuam Deus "e o Filho que veio dele... e o Espírito profético". O Logos é divino, "gerado de Deus".

O Jesus histórico é enfatizado: "É Jesus Cristo que ensinou-nos essas coisas. Ele nasceu para este propósito e foi crucificado sob Pôncio Pilatos, o qual foi procurador na Judéia no tempo de Tibério César". "Cristo nasceu há cento e cinquenta anos sob Quirinus, e ensinou o que pregamos ainda mais tarde, sob Pôncio Pilatos". Ele é "o Filho do verdadeiro Deus... em segundo lugar e o Espírito profético em terceiro lugar". Nós seguimos o "único Deus não-nascido [o Pai] através de seu Filho", o qual "foi gerado por Deus como Logos de Deus de uma maneira única além do nascimento ordinário". Ele "nasceu de uma virgem... veio aos homens como homem... foi crucificado" e "sua paixão" é "única". "Jesus Cristo somente é gerado Filho de Deus, sendo seu Logos e Poder, e tornando-se homem... para a reconciliação e restauração da raça humana".

Assim ele descreve o culto da Igreja no século II:
Nós, porém, depois de lavado [no batismo], conduzimos o que creu e se agregou a nós, para junto dos que se chamam irmãos, onde eles estão reunidos, a fim de elevarmos fervorosamente orações comuns por nós mesmos, por aquele que foi iluminado, e por todos os outros espalhados por toda parte, para que, tendo conhecido a verdade, sendo bons pela prática de boas obras e encontrados fiéis no cumprimento dos mandamentos, sejamos dignos de obter a salvação eterna. Terminadas as orações, saudamo-nos uns aos outros com o ósculo. Em seguida, se apresentam ao que preside os irmãos pão e um cálice de água e vinho misturado. Recebendo-os, ele eleva um hino de louvor e glória ao Pai de todas as coisas, pelo nome do Filho e do Espírito Santo. Pronuncia uma longa eucaristia por Ele se ter dignado de conceder-nos estas coisas. Tendo terminado as preces e a eucaristia, todo o povo presente aclama, dizendo: Amém. Pois o Amém, na língua hebraica, significa: Assim seja. Uma vez que o que preside terminou a eucaristia e todo o povo tiver aderido com a aclamação, os que entre nós são chamados diáconos dão a cada um dos presentes parte do pão, do vinho e da água eucaristizados, que eles levam também para os ausentes. 
Este alimento se chama entre nós Eucaristia; a nenhum outro é lícito dele participar senão ao que crê ser verdadeiro o que foi ensinado por nós e se tenha lavado no banho para o perdão dos pecados e a regeneração e viva como Cristo nos ensinou. Pois nós não tomamos estas coisas como se fosse pão comum, ou bebida ordinária, mas, assim como Jesus Cristo nosso Salvador, feito carne pela força do verbo de Deus, assumiu carne e sangue para a nossa salvação, assim também nos foi ensinado que, em virtude da prece do verbo pelo qual foi eucaristizado, o alimento - de que, por uma transformação, se nutrem nosso sangue e nossa carne - é a carne e o sangue daquele mesmo Jesus que se encarnou. Os Apóstolos nos comentários escritos por eles, chamados Evangelhos, realmente transmitiram que assim lhes foi ordenado: que Jesus, tendo tomado o pão, e dando graças, disse: "Fazei isto em memória de mim, isto é o meu corpo"; e igualmente, tendo tomado o cálice e dado graças, disse: "Isto é o meu sangue" e que o repartiu somente a eles. 
(...) E no dia chamado do Sol, realiza-se uma reunião num mesmo lugar de todos os que habitam nas cidades ou nos campos. Lêem-se os comentários dos Apóstolos ou os escritos dos profetas, enquanto o tempo o permitir. Em seguida, quando o leitor tiver terminado a leitura, o que preside, tomando a palavra, admoesta e exorta a imitar estas coisas sublimes. 
Depois nos levantamos todos juntos e recitamos orações; e como já dissemos, ao terminarmos a oração, são trazidos pão, vinho e água e o que preside, na medida de seu poder, eleva orações e igualmente ações de graças e o povo aclama, dizendo o Amém. Então vem a distribuição e a recepção, por parte de cada qual, dos alimentos eucaristizados e o seu envio aos ausentes através dos diáconos. 
Os que possuem bens e quiserem, cada qual segundo sua livre determinação, dão o que lhes parecer, sendo colocado à disposição do que preside o que foi recolhido. Ele, por sua vez, socorre órfãos e viúvas, os que por enfermidades ou outro qualquer motivo se encontram abandonados, os que se encontram em prisões, os forasteiros de passagem; em uma palavra, ele se torna provedor de quantos padecem necessidade. 
Fazemos a reunião todos juntos no dia do Sol, porque é o primeiro, em que Deus, transformando as trevas e a matéria, fez o cosmos, e Jesus Cristo, nosso Salvador no mesmo dia ressuscitou de entre os mortos (Apologia I, 65-67).
E sobre o batismo, ele ensina:
Explicaremos agora de que modo, depois de renovados por Jesus Cristo, nos consagramos a Deus, para que não aconteça que, omitindo este ponto, demos a impressão de proceder um pouco maliciosamente em nossa exposição. Todos os que se convencem e acreditam que são verdadeiras essas coisas que nós ensinamos e dizemos, e prometem que poderão viver de acordo com elas, são instruídos, em primeiro lugar, para que com jejum orem e peçam perdão a Deus por seus pecados anteriormente cometidos, e nós oramos e jejuamos juntamente com eles. Depois os conduzimos a um lugar onde haja água e pelo mesmo banho de regeneração, com que também nós fomos regenerados, eles são regenerados, pois então tomam na água o banho em nome de Deus, Pai soberano do universo, e de nosso Salvador Jesus Cristo e do Espírito Santo. É assim que Cristo disse: "Se não nascerdes de novo, não entrareis no Reino dos Céus" [João 3:5]. É evidente para todos que, uma vez nascidos, não é possível entrar de novo no seio de nossas mães. Também o profeta Isaías, como citamos anteriormente, disse como fugiriam dos pecados aqueles que antes pecaram e agora se arrependem. Eis o que ele disse: "Lavai-vos, purificai-vos, tirai as maldades de vossas almas e aprendei a fazer o bem, julgai o órfão e fazei justiça à viúva; então vinde e conversemos, diz o Senhor. Se vossos pecados forem como a púrpura, eu os tornarei brancos como a lã; se forem como o escarlate, eu os alvejarei como a neve. Se não me escutardes, a espada vos devorará, porque assim falou a boca do Senhor" [Isaías 1:16-18]. A explicação que aprendemos dos apóstolos sobre isso é a seguinte: uma vez que não tivemos consciência de nosso primeiro nascimento, pois fomos gerados por necessidade de um germe úmido, através da união mútua de nossos pais, e nos criamos em costumes maus e em conduta perversa, agora, para que não continuemos sendo filhos da necessidade e da ignorância, mas da liberdade e do conhecimento e, ao mesmo tempo, alcancemos o perdão de nossos pecados anteriores, pronuncia-se na água, sobre aquele que decidiu regenerar-se e se arrepende de seus pecados, o nome de Deus, Pai e soberano do universo; e aquele que conduz ao banho pronuncia este único nome sobre aquele que vai ser lavado. Com efeito, ninguém é capaz de dar um nome ao Deus inefável; se alguém se atrevesse a dizer que esse nome existe, sofreria a mais vergonhosa loucura. Esse banho chama-se iluminação, para dar a entender que são iluminados os que aprendem estas coisas. O iluminado se lava também em nome de Jesus Cristo, que foi crucificado sob Pôncio Pilatos, e no nome do Espírito Santo, que, por meio dos profetas, nos anunciou previamente tudo o que se refere a Jesus (Apologia I, 61).

Índice por autor



Concílio de Constantinopla em 1341-1351 (9º Ecumênico)


Concílio de Niceia em 787 (7º Ecumênico)


São Filareto de Moscou

Catecismo

Credo:
Sacramentos:
Mandamentos:

Santo Inocêncio do Alasca

Indicação do Caminho para o Reino do Céu (Parte I, Parte II, Parte III)

São Tikhon de Zadonsk


Catecismo do Mosteriro de S. Tikhon


São Teófano, o Recluso


São João de Kronstadt


São Marcos, o Asceta


S. Nicolau Cabasilas
 

Sínodo de Antioquia


S. Paísios do Monte Athos


Padre George Florovsky

Coleção sobre os Padres da Igreja


Patriarca Jeremias II


Metropolita Macário de Moscou
 
 
Pe. Dumitru Staniloae


Bispo Kallistos Ware


Metropolita Hilarion Alfeyev



Pe. Thomas Hopko


Pe. Pomazansky


Pe. John Meyendorff


Pe. Patrick Henry Reardon


Alexei Khomiakov


Pe. Andrew Stephen Damick


Pe. John Whiteford


Pe. Cristian Sebastian Sonea


Pe. Isidore (Minaev)
 

Pe. John Behr


Pe. Stephen Freeman
 
 
Pe. Lawrence Farley


Pe. Dimitri Kokkinos




Jonas Eklund
 
 
Philip Sherrard
 
 
Seraphim Hamilton


Bradley Nassif

 
Benjamin John Bollinger
 

Andreas Andreopoulos


Textos de minha autoria


Não-ortodoxos:

Nicholas Needham: Sobre o filioque
Leon J. Podles: Da obra The Church Impotent: The Feminization of Christianity - O começo da efeminaçãoA devoção ao "Sagrado Coração" / Escolástica

A oração no Catecismo de São Filareto

São Filareto de Moscou

Definição da Esperança Cristã, sua base e os meios de alcançá-la

386. O que é a esperança cristã?

O descansar do coração em Deus, com plena confiança de que ele sempre cuida de nossa salvação, e nos dará a felicidade que prometeu.

387. Qual é o fundamento da esperança cristã?

O Senhor Jesus Cristo é nossa esperança, ou o fundamento de nossa esperança [1 Tim. 1:1]. Esperai inteiramente na graça que se vos ofereceu na revelação de Jesus Cristo [1 Pd 1:13].

388. Quais são os meios de alcançar uma esperança salvadora?

Os meios são, primeiramente, a oração; em segundo lugar, a doutrina das bem-aventuranças e sua aplicação prática.

Sobre a oração

389. Existe algum testemunho da Palavra de Deus para isto, que a oração é um meio de atingir uma esperança salvadora?

O próprio Jesus Cristo uniu a esperança de recebermos nosso desejo com a oração: Tudo quanto pedirdes em meu nome eu o farei, para que o Pai seja glorificado no Filho [Jo 14:13].

390. O que é oração?

A elevação da mente e do coração do homem a Deus, manifestada por palavras devotas.

391. O que deve fazer o cristão ao elevar seu coração e sua mente a Deus?

Primeiro, ele deve glorificá-lo por suas perfeições divinas; segundo, dar graças por suas misericórdias; terceiro, pedir aquilo que necessita. Portanto, há três principais formas de oração: LouvorAção de Graças e Petição.

392. Pode alguém orar sem palavras?

Pode: em mente e coração. Um exemplo disso pode ser visto em Moisés antes da passagem pelo Mar Vermelho [Êx 14:15].

383. Esta oração possui um nome próprio?

É chamada espiritual, ou oração do coração e da mente, em uma palavra, oração interior; por outro lado, a oração expressa em palavras, e acompanhada por outras marcas de devoção, é chamada oral ou oração exterior.

384. Pode haver oração exterior sem oração interior?

Pode haver: se algum homem pronuncia palavras de oração sem atenção ou seriedade.

395. A oração exterior apenas é suficiente para obter graça?

Tão longe está de ser suficiente para obter graça que, muito pelo contrário, provoca a ira de Deus.

O próprio Deus declarou seu desprazer com tal oração: Este povo se aproxima de mim com a sua boca e me honra com os seus lábios, mas o seu coração está longe de mim [Mt 15:8].

396. A oração interior apenas é suficiente sem a exterior?

Esta questão é como se alguém perguntasse se a alma sozinha basta para o homem sem o corpo. É inútil perguntar isto, sabendo que Deus agradou-se de criar o homem consistindo de alma e corpo; igualmente inútil é perguntar se a oração interior sozinha basta sem a exterior. Uma vez que temos alma e corpo, devemos glorificar a Deus em nossos corpos, e em nossas almas, que pertencem a Deus. Sendo natural que da abundância do coração fale a boca. Nosso Senhor Jesus Cristo foi espiritual em altíssimo grau, porém mesmo ele expressou suas orações espirituais por palavras e por gestos devotos do corpo, ora levantando os olhos ao céu, ora ajoelhando-se, ora prostrando-se com a face em terra [1 Cor. 6:20, Mt 12:34, Jo 17:1, Lucas 22:41, Mt 26:39].

São Policarpo de Esmirna

Traduzido de The Early Christian Writers de George Florovsky

Santo Irineu conta-nos que sentou aos pés de São Policarpo, e que este tinha tido contato pessoal com S. João e sido consagrado bispo pelos apóstolos - segundo Tertuliano, por S. João. Também conta-nos que S. Policarpo era tido em alta estima e era a última testemunha da era apostólica. Que ele era muito estimado é algo atestado por sua visita a Roma para discutir questões eclesiásticas com o Papa Aniceto, especialmente o problema da data de celebração da Páscoa. Foi em Roma que S. Policarpo aparentemente encontrou-se com Marcião. Alega-se que Marcião perguntou se Policarpo o reconhecia na Igreja, pelo que Policarpo respondeu: "Eu o reconheço como o primogênito de satanás".

S. Policarpo nasceu por volta do ano 70, foi ordenado bispo antes de 110 e morreu provavelmente em 155 ou 156. O que é historicamente importante é que St. Irineu alegou que S. Policarpo havia escrito muitas cartas, tanto para comunidades cristãs quanto para outros bispos. Mas dessas "muitas cartas" apenas uma chegou a nós. Novamente, encontramo-nos na realidade da história, naquele encontro de uma era passada na qual havia uma fé viva, vibrante, e uma troca ocupada de cartas, cuja natureza nunca conheceremos. Mas podemos assumir seguramente que, seja qual for o conteúdo daquelas cartas perdidas, elas não dariam um conhecimento pleno daquela vivência da fé cristã que era completa; a fé que inspirou as cartas. É o depósito, a fé transmitida, a tradição passada adiante, que foi o motor das cartas. Mas nós possuímos uma carta - a Epístola aos Filipenses.

Epístola aos Filipenses é muito breve e, novamente, é uma carta ocasional. Sobre aquele depósito original e vivo da tradição que havia sido transmitido, S. Policarpo escreve: "Abandonando os discursos vazios de muitos e falsos ensinamentos, retornemos à palavra que nos foi transmitida desde o começo". O contexto no qual S. Policarpo apela para a "palavra transmitida desde o começo" está em oposição aos "falsos irmãos", em oposição àqueles "que levam hipocritamente o nome do Senhor, enganam os homens vazios". Então ele diz mais concretamente: "Quem não confessa que Jesus Cristo veio na carne, é anticristo; aquele que não confessa o testemunho da cruz, é do diabo; aquele que distorce as palavras do Senhor segundo seus próprios desejos, e diz que não há ressurreição, nem julgamento, esse é primogênito de satanás". E parte dessa "palavra transmitida desde o começo" é que "estejamos agarrados à nossa esperança e ao penhor [άρραβών] de nossa justiça, isto é, Cristo Jesus", aquele que "carregou nossos pecados em seu próprio corpo sobre o madeiro, ele que não cometeu pecado e em cuja boca não foi encontrada nenhuma falsidade, mas que tudo suportou por nós, a fim de que vivêssemos nele". Assim como S. Inácio de Antioquia, S. Policarpo pode falar das ações da vida cristã, das "obras" de justiça, e simultaneamente saber que toda graça começa com Deus através de Cristo - χάριτι έστε σεσωσμένoι ουκ eξ έργων, αλλά θελήματι θεον, δια Ίησου Χριστου [Epístola aos Efésios 2:8].

E qual é a teologia de S. Policarpo acerca de Cristo? Ele escreve: "O Deus e Pai de nosso Senhor Jesus Cristo, e este mesmo pontífice eterno, Jesus Cristo Filho de Deus, nos edifique na paciência e longanimidade, na tolerância e castidade". Essa afirmação cristológica está em perfeita consonância com o entendimento de Cristo nos documentos do Novo Testamento e com as definições posteriores dos Concílios Ecumênicos. São Policarpo mantinha a humanidade concreta de Jesus, bem como sua Divindade e eternidade.

São Atenágoras de Atenas

Traduzido de The Early Christian Writers de George Florovsky.

Atenágoras de Atenas, o mais lúcido e eloquente escritor dentre os Apologistas, era provavelmente um pagão que converteu-se ao Cristianismo. Bossuet o considerava autor "de uma das melhores e mais antigas Apologias da religião cristã". Quase nada é conhecido de sua vida exceto que era ateniense e considerava-se "um filósofo cristão". São Fócio manteve que ele foi o mesmo Atenágoras ao qual Boethos, o platonista, dedicou sua obra Sobre expressões difíceis em Platão. Ele é mencionado por Metódio em De resurrectione (1, 36) e por Filipe Sidetes em sua Χριστιανική Ιστορία. Por volta de 177, Atenágoras escreveu seu Apelo em favor dos cristãos - πρεσβεία περι των χριστιανών. Uma segunda obra, Sobre a ressurreição dos mortos - περί αναστάσεως νεκρών - tem sido atribuída a ele, que foi provavelmente seu autor.

Atenágoras foi o primeiro a escrever tão penetrantemente sobre a unidade de Deus. "Todos os filósofos, então, mesmo involuntariamente, alcançam consenso sobre a unidade de Deus quando investigam os primeiros princípios do universo". Deus é "incriado" e "eterno". Deus é "incriado, impassível e indivisível. Ele não consiste, portanto, de partes". Deus é o "Criador". "Tenho demonstrado suficientemente que não somos ateístas, uma vez que reconhecemos um só Deus, que é incriado, eterno, invisível, impassível, incompreensível e ilimitado. Ele é percebido somente pela mente e pela inteligência, e cercado de luz, beleza, espírito e poder indescritível. Por ele, todo o universo foi criado através do seu Logos, foi posto em ordem, e é mantido junto... Que ninguém pense que é estúpido dizer que Deus tem um Filho, pois não pensamos de Deus Pai ou do Filho ao modo dos poetas... Mas o Filho de Deus é seu Logos em ideia e atualidade - εν ίδέα και ενεργεία. Pois por ele e através dele todas as coisas foram feitas, o Pai e o Filho sendo um. E uma vez que o Filho está no Pai e o Pai no Filho pela unidade e poder do Espírito, o Filho de Deus é a mente e Logos - νους και λόγος - do Pai". O Filho é "o primogênito do Pai. Quero dizer que ele não veio à existência - ουχ ως γενόμενον -, pois, uma vez que Deus é mente eterna, ele tem possuído seu Logos em si mesmo desde o princípio, sendo eternamente lógico - άιδίως λογικός. De fato, dizemos que o próprio Espírito Santo, que inspira aqueles que falam profecias, é uma efluência - άπόρροιαν - de Deus, fluindo dele e retornando como um raio do sol. Quem, portanto, não estaria perplexo ao ouvir aqueles chamados de ateístas que admitem Deus Pai, Deus Filho e o Espírito Santo, e que ensinam sua unidade em poder e sua distinção em lugar? - την εν τη τάξει διαίρεσιν. Cristãos "são guiados apenas por isto: conhecer o verdadeiro Deus e seu logos, conhecer a unidade do Pai com o Filho, a companhia do Pai com o Filho, o que é o Espírito, qual união - ένωσις - existe entre estes três, o Espírito, o Filho e o Pai, e qual a distinção - διαίρεσις - em união".

São Teófilo de Antioquia

Trecho traduzido de The Early Christian Writers de George Florovsky.


Eusébio, em sua Εκκλησιαστική Ιστορία (4, 20), informa-nos que Teófilo foi o sexto bispo de Antioquia, depois de Pedro, Evódio, Inácio, Herodião, Cornélio e Eros. [..] Pelos escritos de Teófilo, nota-se que nasceu de pais pagãos perto do Eufrates e recebeu educação tipicamente helênica. Apenas mais tarde estudou as Escrituras da Igreja seriamente e então converteu-se. Tudo que sabemos sobre datas é que floresceu por volta de 180.

Ele escreveu obras contra Marcião e Hermogenes, leituras catequéticas, comentários sobre Provérbios e os Evangelhos, uma obra histórica da qual sabemos apenas por suas próprias referências a ela - περι ιστορίων, e uma harmonia dos Evangelhos. Mas o único trabalho seu que chegou a nós é Ad Autolycum [Para Autólico], em três livros.

Para Autólico é uma importante obra da literatura cristã primitiva. Ele foi o primeiro escritor - de quem temos documentos hoje - a ser explícito em algumas áreas importantes acerca do Cristianismo. [...] Foi o primeiro a usar a palavra τρίας - Trindade - para a união das três pessoas divinas: "os três dias anteriores aos luminares [em Gênesis] são tipos da Trindade - τριάδος - de Deus, sua Palavra e Sua Sabedoria" (2, 15). Aqui, Teófilo usa a palavra Sabedoria - σοφία - para referir-se ao Espírito Santo. Mas em outras passagens refere σοφία ao Filho (2, 10). Teófilo é também o primeiro a distinguir entre o Logos ένδιάθετος e o Logos προφορικός - o Logos interno ou imanente em Deus e o Logos falado ou emitido por Deus, uma distinção em terminologia, que será importante papel na explicação de outras reflexões trinitárias.

O conhecimento de Deus foi revelado no passado pelos profetas e cumprido e contido no Evangelho - και γαρ εγώ ήπίστουν τούτο εσεσθαι, αλλά νυν κατανόησας αυτά πιστεύω, άμα και επιτυχών ιεραις γραφαις των αγίων προφητών, οι και προειπον δια πνεύματος θεού τα προγεγονότα ώ τρόπω γέγονεν και τα ενεστώτα τίνι τρόπω γίνεται, και τα επερχόμενα ποία τάξει άπαρτισθήσεται. άπόδειξιν ούν λαβών των γινομένων και προαναπεφωνημένων ουκ απιστώ (Ι, 14). Mas a Revelação é necessária precisamente porque a sabedoria dos filósofos e poetas é sabedoria inspirada por forças demoníacas (II, 8).

Deus é "inefável", "indescritível", "incapaz de ser visto pelos olhos da carne", "incompreensível", "insondável", "inconcebível", "além do ser", "não gerado", "imutável" e "eterno" (I, 3). "Pois se digo que Ele é Luz, nomeio apenas sua própria obra. Se o chamo Logos, falo de sua soberania. Se o chamo Mente, nada digo além de sua sabedoria. Se o chamo Poder, falo de sua atividade. Se o chamo Providência, falo de sua bondade. Se o chamo Reino, menciono apenas sua glória. Se o chamo Senhor, falo Dele como Juiz. Se o chamo Juiz, falo Dele como justo. Se o chamo Pai, falo de todas as coisas vindo Dele" (I, 3).

Deus é Criador, não um "Moldador" da matéria primeva. "Platão e aqueles de sua escola reconhecem, de fato, que Deus é incriado, que Pai e Criador de todas as coisas. Mas então dizem que a matéria é incriada como Deus e alegam que é coexistente com Deus. Mas se Deus é incriado e a matéria incriada, Deus não é mais, de acordo com os platonistas, o Criador de todas as coisas, nem, de acordo com suas opiniões, a monarquia de Deus é estabelecida... Se a matéria também fosse incriada, também seria inalterável e igual a Deus, pois o que é criado é mutável e alterável, mas o que é incriado é imutável e inalterável. E que grande coisa se Deus tivesse feito o mundo de materiais já existentes? Pois mesmo um artista humano, quando recebe os materiais de alguém, faz o que agrada-lhe. Mas o poder de Deus é manifestado nisto, que Ele faz o que quer a partir do nada... de coisas que não existem Ele cria e tem criado o que existe" (II, 4).

Deus, então, "tendo seu próprio Logos interno - ένδιάθετον - o gerou, emitindo-o - προφορικός - juntamente com sua própria Sabedoria antes de todas as coisas" (II, 10). "Quando Deus quis fazer tudo o que havia deliberado, gerou esse Logos proferido - προφορικοί -, como Primogênito de toda criação, não esvaziando-se de seu Logos, mas gerando o Logos e conservando-o sempre com ele" (II, 22).

Deve-se lembrar que Teófilo está abordando apenas as questões levantadas por Autólico - a invisibilidade do Deus cristão, a fé na ressurreição, o nome de cristãos e a questão da alegada inferioridade da Escritura cristã frente à filosofia e literatura gregas. A própria natureza de sua obra dispensa uma apresentação completa da fé cristã. [...] Não devemos esquecer também que Teófilo era um bispo e escreveu outras obras, as quais lidavam com o depósito original que foi transmitido.

A morte de Cristo


A encarnação é um ato de philanthropia (caridade) de Deus, de Sua benevolência para com a espécie humana. Muitos escritores orientais, falando da encarnação sob este ponto de vista, dizem que mesmo que o homem nunca tivesse decaído, Deus em Seu amor pela humanidade ainda assim se tornaria homem: a encarnação deve ser entendida como parte do propósito eterno de Deus e não simplesmente como uma resposta à queda. Tal era a visão de Máximo, o Confessor, e de Isaque, o Sírio, e também de alguns escritores ocidentais, com maior ênfase Duns Scotus (1265-1308).

Pelo fato de o homem ter decaído, a Encarnação é, além de um ato de amor, um ato de salvação. Jesus Cristo, ao unir homem e Deus em Sua própria pessoa, reabriu o caminho de união entre Deus e a humanidade. Em pessoa, Cristo mostrou qual a verdadeira "semelhança de Deus" e por sua redenção e sacrifício vitorioso restabeleceu esta semelhança ao alcance do homem. Cristo, o segundo Adão, veio ao mundo e reverteu os efeitos da desobediência do primeiro Adão.

Deus verdadeiro e homem verdadeiro; como colocou o Bispo Teófano, o Recluso: "Atrás do véu da carne de Cristo, os cristãos adoram o Deus Triuno." Estas palavras colocam-nos face a face ao que pode ser a característica mais extraordinária da abordagem ortodoxa sobre o Cristo encarnado: uma sensação irresistível da Sua glória divina. Há dois momentos na vida de Deus em que esta glória foi especialmente manifestada: A transfiguração, quando, no Monte Tabor, a Luz incriada da Sua divindade visivelmente atravessou as vestimentas de Sua carne; e a Ressurreição, quando o túmulo é aberto pela pressão da vida divina, e Cristo retorna triunfante dos mortos. Dá-se tremenda ênfase a ambos os eventos durante a adoração e espiritualidade ortodoxas. No calendário bizantino, a Transfiguração é reconhecida como uma das Doze Grandes Festas e desfruta maior eminência do que no Ocidente; e já falamos qual o lugar que a Luz incriada de Tabor ocupa dentro da doutrina ortodoxa de oração. Quanto à Ressurreição, seu sentido preenche toda a vida da Igreja Ortodoxa: por todas as vicissitudes de sua história, a Igreja Oriental foi capaz de manter algo do espírito dos primeiros tempos do Cristianismo. A Liturgia ainda cultua o elemento de puro júbilo na Ressurreição do Senhor, que encontramos em muitos escritos cristãos dos primeiros tempos (P. Hammond, The Waters of Marah, p. 20).

O tema da Ressurreição de Cristo une todos os conceitos teológicos e realidades do Cristianismo oriental em um conjunto harmônico (O. Rousseau, Incarnation et anthropologie en oriente et en ocident, in Irénikon, vol. 26, 1953, p. 373).

No entanto, seria errado pensar na Ortodoxia apenas como um culto à glória divina de Cristo, à Transfiguração e à Ressurreição, e nada mais. Não importa quão grande é a devoção à glória divina de Nosso Senhor, os ortodoxos não deixam de lado a Sua humanidade. Considere, por exemplo, o amor dos ortodoxos pela Terra Santa: nada pode superar a intensa reverência feita por camponeses russos aos lugares exatos onde o Cristo Encarnado viveu, onde como homem comeu, ensinou, sofreu e morreu. Nem o sentido de júbilo pela Ressurreição leva a Ortodoxia a minimizar a importância da Cruz. Imagens da Crucifixão não são mais importantes em Igrejas não-ortodoxas do que na Igreja Ortodoxa.

Deve-se, assim, entender que é errada a comum asserção de que o Oriente concentra-se no Cristo Ressuscitado e o Ocidente no Cristo Crucificado. Se fizermos uma comparação, é mais exato dizer que ambos vêem a Crucifixão de forma um pouco diferente. A atitude ortodoxa perante a Crucifixão é melhor compreendida nos hinos cantados na sexta-feira Santa, como os seguintes.
Aquele que veste-se de luz como roupas,
estava nu em Seu julgamento.
Em Seu rosto recebeu sopros
das mãos que Ele criou.
A multidão sem leis pregava à Cruz
o Deus de glória.
A Igreja Ortodoxa, na Sexta-Feira Santa, não vê isoladamente a dor e o sofrimento humanos de Cristo, mas sim o contraste entre Sua humilhação externa e Sua glória interna. Os ortodoxos não vêem apenas o lado humano do Cristo sofrendo, mas o Deus sofrendo:
Hoje está suspenso no Lenho
o que suspendeu a Terra por entre as águas.
Uma coroa de espinhos veste
Aquele que é o rei dos anjos.
Ele está envolvido em púrpura e zombaria,
Aquele que envolve os céus de nuvens.
Sob o véu da carne rompida e sangrenta, os ortodoxos ainda apreciam o Deus Triuno. Até o Gólgota é uma Teofania; até na Sexta-Feira Santa a Igreja entoa notas da alegria da Ressurreição:
Nós adoramos Tua Paixão, ó Cristo:
Mostra-nos Tua gloriosa Ressurreição!
Eu glorifico Teus sofrimentos,
Eu louvo Teu sepultamento e Tua Ressurreição.
Clamando, Senhor, glória a Ti!
A Crucifixão não está separada da Ressurreição, pois ambas são um ato único. O Calvário é sempre visto à luz do sepulcro vazio; a Cruz é um símbolo (emblema) de vitória. Quando os ortodoxos pensam no Cristo Crucificado, não pensam apenas no Seu sofrimento e desolação; eles pensam no Cristo, o vitorioso, no Cristo Rei, reinando em triunfo na Cruz.

O Senhor veio ao mundo e viveu entre os homens para destruir a tirania do Demônio e libertá-los. Na Cruz, Ele triunfou sobre os poderes que se opunham a Ele, quando o sol escureceu e a terra estremeceu, quando as sepulturas abriram-se e os corpos dos santos levantaram-se. Cristo é nosso Rei vitorioso, não apesar da Crucifixão, mas por causa dela: "Eu O chamo de rei porque o vejo crucificado" (João Crisóstomo, Second Sermon on the Cross and the Robber, 3, P.G. 49, 413).

Este é o espírito de adoração dos cristãos ortodoxos à morte de Cristo na Cruz. Entre esta abordagem da Crucifixão e aquela do Ocidente medieval e moderna existem, é claro, muitos pontos de contato; no entanto, na abordagem ocidental existem também determinados aspectos que deixam os ortodoxos apreensivos. O Ocidente, ao que parece, tende a pensar na Crucifixão isoladamente, separando-a de forma brusca da Ressurreição. Como resultado, a visão do Cristo como um Deus sofredor é substituída, em prática, pela figura de um Cristo-Homem sofredor: o adorador ocidental, quando medita perante a Cruz, é estimulado com muita freqüência a sentir uma mórbida compaixão ao Homem das Dores, em vez de glorificar o rei vitorioso e triunfante. Ortodoxos sentem-se muito à vontade nas letras do grande hino latino de Venâncio Fortunato (530-609), Pange lingua, que saúda a Cruz com um emblema de vitória:
Canta, minha boca, a batalha gloriosa,
Canta o final da briga;
Agora sobre a Cruz, nosso troféu,
Soa alto o hino triunfal:
Conta como o Cristo, redentor do mundo,
Como vítima venceu o dia.
Da mesma forma sentem-se no hino Vexilla regis, também de Fortunato:
Cumprido está o que falou Davi
Em canto profético dos antigos:
Dentre as nações, disse ele,
Reinou e triunfou da Cruz.
No entanto, ortodoxos sentem-se menos à vontade com composições do final da Idade Média, tais como Stabat Mater:
Pelo pecado de seu povo, em agonia,
Lá ela viu a vítima definhar-se,
Sangrar atormentado, sangrar e morrer:
Viu o Senhor sagrado ser levado;
Viu seu Filho à morte abandonado;
Ouviu Seu último suspiro de morte
É mister dizer que o Stabat Mater, em suas sessenta linhas, não faz referência alguma à Ressurreição.

Onde a Ortodoxia vê sobretudo o Cristo vitorioso, o Ocidente do final da Idade Média e pós-medieval vê sobretudo Cristo como vítima. Enquanto a Ortodoxia interpreta a Crucificação primordialmente como um ato de vitória triunfante sobre os poderes do mal, o oeste, desde os tempos de Anselmo de Canterbury (1033-1109), tende a pensar na Cruz em termos jurídicos e penais, como um ato de satisfação ou substituição destinado a aplacar a ira de um Pai raivoso.

No entanto, este contraste não deve ser muito estimulado. Escritores orientais, assim como os ocidentais, aplicaram linguagem jurídica e penal à Crucifixão, e escritores ocidentais, assim como os orientais, nunca deixaram de considerar a Sexta-Feira Santa como um momento de vitória. Recentemente, no Ocidente, houve revitalização da idéia patrística do Christus Victor, semelhante na teologia, na espiritualidade e na arte; e os ortodoxos estão bem satisfeitos que isso possa acontecer.

- Bispo Calisto Ware, A Igreja Ortodoxa

A Eucaristia


A Eucaristia (literalmente "agradecimento") é o Mistério no qual pão e vinho da oferenda são mudados pelo Espírito Santo no verdadeiro Corpo e Sangue de Nosso Senhor Jesus Cristo, e então os fiéis recebem comunhão deles para a mais intima união com Cristo e para a vida eterna. Esse Mistério é então composto de dois momentos separados: 1) a mudança ou transformação do pão e vinho em Corpo e Sangue do Senhor, e 2) a Comunhão desses Santos Dons. É chamado de "Eucaristia," "Ceia do Senhor," "o Mistério do Corpo e Sangue de Cristo." O Corpo e Sangue de Cristo nesse Mistério são chamados de "Pão do céu e Cálice da vida" ou "Cálice da Salvação"; eles são chamados de "Santos Mistérios," de "Sacrifícios Não Sangrentos." A Eucaristia é o maior Mistério Cristão (Sacramento).

As palavras do Salvador sobre este Mistério.

Antes da primeira realização desse Mistério na Mística Ceia (Última Ceia), Cristo prometeu em Sua conversa concernente ao Pão da Vida por ocasião da alimentação de cinco mil homens com cinco peixes. O Senhor ensinou: "Eu sou o pão vivo que desceu do céu, se alguém comer desse pão viverá para sempre; e o pão que eu darei é a minha carne, que eu darei pela vida do mundo" (Jo 6:51). Os judeus evidentemente entenderam as palavras de Cristo literalmente. Eles começaram a dizer uns aos outros: "Como nos pode dar Este a Sua carne a comer?" (Jo 6:51). E o Senhor não contou aos judeus que eles O haviam entendido erradamente, mas só com maior força e clareza Ele continuou a falar com o mesmo significado: "Na verdade, na verdade vos digo, se não comerdes a carne do Filho do Homem, e não beberdes o Seu sangue, não tereis vida em vós mesmos. Quem come a Minha carne, e bebe o Meu sangue permanece em Mim e Eu nele" (Jo 6:53-56).

Seus discípulos também entenderam as palavras de Cristo literalmente: "...Duro é este discurso; quem o pode ouvir?" (Jo 6:60), eles disseram. O Salvador, como para convencê-los da possibilidade de tal comer miraculoso, indica outro milagre de Sua futura Ascensão para o céu: "... Isto escandaliza-vos? Que seria, pois, se vísseis subir o Filho do Homem, para onde primeiro estava?" (Jo 6:61-62). A isso Cristo acrescenta: "É o Espírito que vivifica, a carne de nada aproveita: as palavras que Eu vos disse, são Espírito e vida" (Jo 6:63). Por essa observação Cristo não pede que Suas palavras sobre o Pão da Vida sejam entendidas em qualquer sentido "metafórico." "Mas há alguns de vós que não crêem", Ele acrescenta imediatamente (Jo 6:64). Por essas palavras o Salvador indica que Suas palavras são difíceis para a fé: Como é que os fieis irão comer Seu Corpo e beber Seu Sangue? Mas Ele confirma que Ele fala de Seu Corpo real. Suas palavras relativas ao Seu Corpo e Sangue são "Espírito e vida." Elas testemunham que: a) aquele que participa dos dons terá vida eterna, e será ressuscitado para o Reino de Glória no último dia; e b) aquele que participa neles entrará na mais íntima comunhão com Cristo. Suas palavras não falam de vida na carne, mas de vida no Espírito. "O Pão da Vida e o Cálice da Vida; experimenta e vê que o Senhor é bom" — essas são as palavras que ouvimos na Liturgia dos Dons Pré-Santificados. Essa Comunhão de Seu Corpo e Sangue é importante não para o aplacamento da fome física, como foi o alimentar-se com maná no deserto, ou a alimentação dos cinco mil — mas é importante para a vida eterna.

O estabelecimento do Mistério e sua execução nos tempos apostólicos.

Visto que a pré-indicação do Salvador a respeito do futuro estabelecimento do Mistério da Eucaristia foi dada no Evangelho de João, o real estabelecimento do Mistério é mostrado em três Evangelistas, Mateus, Marcos e Lucas, e então repetido pelo Apóstolo Paulo.

No Evangelho de São Mateus, no capítulo 26, é dito: "...e quando comiam, Jesus tomou o pão e abençoando-o, o partiu, e o deu aos discípulos e disse: Tomai, comei, isto é o Meu Corpo; e tomando o cálice, e dando graças, deu-lhe dizendo: Bebei dele todos, porque este é o Meu Sangue, o sangue do Novo Testamento, que é derramado por muitos, para a remissão dos pecados" (Mt 26:26-28). A mesma coisa é dita no Evangelho de Marcos no capítulo catorze.

No Evangelho de Lucas, o capítulo 22, nós lemos: "E, tomando o pão, e havendo dado graças, partiu-o, e deu-lhe, dizendo: Isto é o Meu Corpo, que por vós é dado; fazei isso em memória de Mim. Semelhantemente tomou o cálice, depois da ceia dizendo: este cálice é o Novo Testamento no Meu Sangue que é derramado por vós" (Lc 22:19-20).

A mesma coisa que o Evangelista Lucas diz nós lemos na Primeira Epístola de São Paulo aos Coríntios, capítulo 11, somente com as palavras prefacias: "Porque eu recebi do Senhor o que também vos ensinei, que o Senhor Jesus, na noite em que foi traído, tomou o pão, e tendo dado graças, o partiu e disse..." (1 Co 11:23-24).

As palavras do Salvador na Mística Ceia: "Esse é Meu Corpo, que é partido por vós; esse é meu Sangue do Novo Testamento derramado por vós para a remissão dos pecados," são completamente claras e definidas, e não permitem nenhuma outra interpretação que não seja a mais direta, nomeadamente que foram dados aos discípulos o verdadeiro Corpo e o verdadeiro Sangue de Cristo. E isso está em completa concordância com a promessa feita pelo Salvador no capítulo sexto do Evangelho de São João a respeito dos Seus Corpo e Sangue.

Tendo dado comunhão aos discípulos, o Senhor comandou: "Fazei isso em memória de Mim." Esse sacrifício deve ser realizado "até que Ele venha" (1 Co 11:25-26), como o Apóstolo Paulo instrui, isto é, até a segunda vinda do Senhor. Isso recorre também das palavras do Senhor Salvador: Se não comerdes a carne do Filho do Homem e beberes o Seu Sangue, não tereis vida em vós. E de fato, a Eucaristia foi recebida na Igreja desde os primeiros dias como o maior dos Mistérios; a instituição dela é preservada com o maior cuidado e reverência; e é realizada e será realizada até o final do mundo.

A respeito da execução da Eucaristia nos tempos Apostólicos na Igreja de Cristo, podemos ler nos Atos dos Apóstolos (2:42-46; 20:6-7), e no Apóstolo Paulo no 10º e 11º capítulos da Primeira Epístola aos Corintios. O Apóstolo Paulo escreve: "Porventura o cálice de benção que abençoamos, não é a comunhão do Sangue de Cristo? O pão que partimos não é por ventura a comunhão do Corpo de Cristo? Porque nós, sendo muitos, somos um só pão e um só corpo: porque todos participamos do mesmo pão" (1 Co 10:16-17). E de novo: "Porque todas as vezes que comerdes esse pão e beberdes esse cálice anunciais a morte do Senhor até que venha. Portanto, qualquer que comer esse pão, ou beber o cálice do Senhor indignamente, come e bebe para sua própria condenação, não discernindo o Corpo do Senhor. Por causa disto, há entre vós muitos fracos e doentes, e muitos que dormem" (1 Co 11:26-30). Nas palavras citadas o Apóstolo nos instrui com que reverência e auto-análise preparatória um Cristão deve se aproximar da Eucaristia, e ele deixa claro que isso não é simples comida e bebida, mas a recepção dos verdadeiros Corpo e Sangue de Cristo.

Estando unidos com Cristo na Eucaristia, os fiéis que recebem a Comunhão estão unidos também uns com os outros: "Porque nós, sendo muitos, somos um só pão e um só corpo: porque todos participamos do mesmo Pão."

A mudança do pão e vinho no Mistério da Eucaristia.

No Mistério da Eucaristia, no momento em que o presbítero, invocando o Espírito Santo sobre os dons oferecidos, abençoa-os com a oração para Deus o Pai: "Faz desse pão o Corpo precioso do Teu Cristo; e do que contem esse cálice o Sangue precioso do Teu Cristo; mudando-os pelo poder do Teu Espírito Santo" — o pão e o vinho na verdade são Cristo; mudados em Corpo e Sangue pela descida do Espírito Santo. Depois desse momento, apesar de nossos olhos verem pão e vinho sobre o altar, na sua verdadeira essência, invisível para os olhos sensoriais, isto é o verdadeiro Corpo e o verdadeiro Sangue de Jesus Cristo, somente sob as "formas" de pão e vinho.

[...] Essa verdade é expressa na Encíclica dos Patriarcados Orientais nas seguintes palavras: "Nós acreditamos que nesse rito sagrado Nosso Senhor Jesus Cristo está presente não simbolicamente (typicos), não figurativamente (eikonikos), não por uma abundância de graça, como em outros Mistérios, não por uma simples descida, como certos Padres falam a respeito do Batismo [...], mas verdadeiramente e realmente, de maneira que após a santificação do pão e do vinho, o pão é mudado, transubstanciado, convertido, transformado, no real, verdadeiro Corpo de Cristo, que nasceu em Belém da Sempre Virgem Maria, foi batizado no Jordão, sofreu, foi sepultado, ressuscitou, ascendeu, senta à direta do Deus Pai, e vai aparecer nas nuvens do céu; e o vinho é mudado e transubstanciado no real e verdadeiro Sangue do Senhor, que na hora do Seu sofrimento na Cruz foi derramado pela vida do mundo. Ainda de novo, nós acreditamos que depois da santificação do pão e do vinho não mais permanecem pão e o vinho, mas o verdadeiro Corpo e Sangue do Senhor, sob a aparência e forma de pão e vinho."

A maneira pela qual Jesus Cristo permanece nos Santos Dons.

1. Apesar do pão e vinho serem transformados no Mistério no Corpo e Sangue do Senhor, Ele está presente nesse Mistério com todo Seu ser, isto é, com Sua alma e com Sua Divindade, que é inseparavelmente unida à Sua humanidade.

2. Apesar de depois o Corpo e o Sangue do Senhor serem partidos no Mistério da Comunhão e distribuídos, ainda acreditamos que em cada parte — mesmo na menor partícula — dos Santos Mistérios, aqueles que recebem Comunhão recebem o inteiro Cristo em Seu ser, isto é, em Sua Alma e Divindade, como perfeito Deus e perfeito homem. Essa fé a Igreja expressa nas palavras do presbítero no partir do Santo Cordeiro: "O Cordeiro de Deus é partido e distribuído; é partido mas não dividido, comido mas nunca consumido, santificando aqueles que O recebem em comunhão."

3. Apesar de ao mesmo tempo haverem muitas santas Liturgias no universo, no entanto não existem muitos Corpos de Cristo, mas um e o mesmo Cristo está presente e é dado em Seu corpo em todas as igrejas aos fiéis.

4. O pão do ofertório, que é preparado separadamente em cada Igreja, depois de sua santificação torna-se um e o mesmo com o Corpo que está nos céus.

5. Depois da transformação do pão e do vinho no Mistério da Eucaristia no Corpo e Sangue, eles não mais voltam à sua natureza anterior, mas permanecem o Corpo e o Sangue do Senhor para sempre, sejam ou não consumidos pelos fiéis. Por isso a Igreja desde a antigüidade tem tido o costume de preservar os Dons santificados em vasos sagrados de modo a se dar comunhão para os moribundos. É bem conhecido que na Igreja antiga existia o costume de enviar os Dons santificados pelos diáconos para cristãos que não estavam em condição de receber a Comunhão dos Santos Dons na Igreja, por exemplo, aqueles na prisão e os penitentes. Com freqüência na antigüidade os fiéis traziam os Santos Dons com reverência das Igrejas para suas casas, e os ascetas pegavam os Dons e os levavam para o deserto para receber a Comunhão.

6. Porque para o Deus-homem Cristo é adequado oferecer uma única e inseparável divina adoração, tanto para Sua divindade quanto para Sua humanidade, como conseqüência de Sua inseparável união, deve-se dar para os Santos Mistérios da Eucaristia a mesma honra e adoração que nós somos obrigados a dar para o Senhor Jesus Cristo.

A Eucaristia e a Cruz.

O sacrifício Eucarístico não é uma repetição do Sacrifício do Salvador na Cruz, mas é uma oferta do Corpo e Sangue sacrificado uma vez oferecido pelo nosso Redentor na Cruz, por Ele Que "é sempre comido, mas nunca consumido." O sacrifício do Gólgota e o sacrifício da Eucaristia são inseparáveis, compreendendo um único sacrifício; mas ao mesmo tempo devem ser distinguidos um do outro. Eles são inseparáveis; eles são uma e a mesma árvore doadora de graça e vida plantada por Deus no Gólgota, mas preenchendo com seus ramos místicos toda Igreja de Deus, e até o fim dos tempos nutrindo por seus frutos salvíficos todos aqueles que buscam a vida eterna. Mas eles têm também que ser distinguidos: o sacrifício oferecido na Eucaristia é chamado "sem sangue" e "sem paixão," já que é realizado após a Ressurreição do Salvador, que "... havendo Jesus Cristo ressuscitado dos mortos, já não morre: a morte não mais terá domínio sobre Ele" (Ro 6:9). É oferecido sem sofrimento, sem derramamento de sangue, sem morte, apesar de ser realizado em lembrança do sofrimento e morte do Divino Cordeiro.

O significado da Eucaristia como um sacrifício.

É um sacrifício de louvação e agradecimento. O presbítero que celebra o sacrifício sem sangue de acordo com o rito da Liturgia de São Basílio e de São João Crisóstomo, antes da santificação dos Dons lembra em suas orações secretas as grandes obras de Deus; ele glorifica e dá graças a Deus na Santíssima Trindade por chamar o homem da não-existência, por Seu grande e variado cuidado com o homem depois de sua queda, e pela economia de Sua Salvação através do Senhor Jesus Cristo. Da mesma forma todos os cristãos presentes na Igreja, nesses santos momentos glorificando a Deus, clamam a Ele: "Nós Te louvamos, nós Te bendizemos, nós Te damos graças, ó Senhor."

A Eucaristia é da mesma forma um sacrifício propiciatório para todos os membros da Igreja. Dando a Seus discípulos Seu Corpo, o Senhor disse Dele: "Que é partido por vós"; e dando seu sangue Ele acrescenta: "Que é derramado por Vós e por muitos para a remissão dos pecados." Portanto, desde o início do Cristianismo o Sacrifício Sem Sangue foi oferecido para a lembrança tanto dos vivos quanto dos mortos e para a remissão dos seus pecados. Isso é evidente dos textos de todas as Liturgias, começando com a Liturgia do Santo Apóstolo Tiago, e esse sacrifício é freqüentemente chamado diretamente nesses textos de sacrifício de propiciação.

A Eucaristia é um sacrifício que no modo mais íntimo une todos os fiéis em um Corpo em Cristo. Por isso, depois da transformação dos santos Dons assim como antes da proskomídia, o presbítero relembra a Santíssima Theotokos e todos os santos, acrescentando: "por suas orações, salva-nos, ó Deus"; e então segue para a comemoração dos vivos e dos mortos — a Igreja de Cristo completa.

A Eucaristia é também o sacrifício de súplica: pela paz das Igrejas, pela boa condição do mundo, pelas autoridades, por aquele com enfermidades e trabalhos, por todos que pedem ajuda — "e por todos os homens e mulheres."

Conclusões de caráter litúrgico.

Dos relatos do Evangelho e dos escritos dos Apóstolos e da prática da Igreja antiga, deve-se tirar as seguintes conclusões:

a) na Eucaristia, como aos Apóstolos foram dados na Mística Ceia, assim também deve ser dado aos fiéis não só o Corpo de Cristo, mas também o Sangue de Cristo. "Bebei todos dele," o Salvador ordena (Mt 26:27). "Examine-se pois o homem a si mesmo, e assim coma deste pão e beba desse cálice" (1 Co 10:17). (Isso não é observado na Igreja Latina, onde os leigos são privados do cálice).

b) "Porque todos participamos do mesmo pão" (1 Co 10:17), escreve o Apóstolo. Na Igreja antiga toda comunidade participava de um único pão, e na Liturgia Ortodoxa é abençoado e partido um pão, assim como um cálice é abençoado. (A benção de "um" pão foi também violada pela Igreja Latina no segundo milênio)

c) Em todas as passagens da Sagrada Escritura onde o pão da Eucaristia é mencionado, o pão é chamado de artos em grego (João, cap.6; Evangelho de Mateus, Marcos, Lucas, no Apóstolo Paulo e nos Atos dos Apóstolos). Artos usualmente significa o pão de trigo que cresceu com o uso de fermento ("não fermentado" é expresso em grego pelo adjetivo azymus): é sabido que nos tempos apostólicos — isto é, do início mesmo, da sua instituição — a Eucaristia era celebrada durante o ano todo, semanalmente, quando os judeus preparavam pão ázimo; isso significa que era celebrada, mesmo nas comunidades judaico-cristãs, com pão fermentando. Mas ainda isso pode ser dito das comunidades de Cristãos convertidos do paganismo, para quem a lei a respeito de pão ázimo era inteiramente estranha. Na Igreja dos primeiros Cristãos o material para o Mistério da Eucaristia, como é bem sabido, era igualmente pego nas oferendas do povo, que, sem nenhuma dúvida, trazia para a Igreja de suas casas o pão usual, fermentado; ele era destinado para ser usado, ao mesmo tempo, nas festas-de-amor (ágape) e para ajudar os pobres.

A necessidade da Comunhão.

Receber comunhão do Corpo e Sangue do Senhor é essencial, necessário, salvífico e consolador e é obrigação de todo cristão. Isso é evidente nas palavras do Salvador que Ele proclamou quando dando a promessa a respeito do Mistério da Eucaristia: "Na verdade, na verdade vos digo que, se não comerdes a carne do Filho do homem, e não beberdes o seu sangue, não tereis vida em vós mesmos. Quem come a minha carne e bebe o meu sangue tem a vida eterna..." (Jo 6:53-54).

Os frutos salvíficos ou efeitos do Mistérios da Eucaristia, se nós comungamos dignamente, são os seguintes:

1) Ele nos une da maneira mais intima com o Senhor: "Quem come a Minha Carne e bebe o Meu Sangue, permanece em Mim, e Eu Nele" (Jo 6:56);

2) Ele nutre nossa alma e corpo e ajuda em nossa fortificação, melhora o crescimento na vida espiritual: "Assim quem de Mim se alimenta, também viverá por Mim" (Jo 6:57);

3) Ele serve para nós como fiança da futura ressurreição e da vida abençoada eternamente: "quem comer este pão viverá para sempre" (Jo 6:58).

No entanto, deve-se lembrar que a Eucaristia oferece esses frutos salvíficos somente para aqueles que dela se aproximam com fé e arrependimento; uma participação indigna no Corpo e Sangue de Cristo traz é muito mais condenação: "Porque o que come e bebe indignamente come e bebe para sua própria condenação, não discernindo o Corpo do Senhor" (1 Co 11:29).

- Padre Michael Pomazansky, Teologia dogmática ortodoxa