São Justino

Traduzido e adaptado de The Early Christian Writers de George Florovsky


São Justino nasceu por volta do ano 100 ou 110 em Flavia Neapolis (atual Nablus, na Palestina). Ele nos conta em seu Diálogo com Trifão que era um pagão em busca da verdade, primeiramente tendo sido estóico, depois peripatético e então pitagoriano. Ele era profundamente influenciado por Platão quando, de acordo com seu relato em Diálogo com Trifão, teve uma discussão com um ancião que deu-lhe provas convincentes de que o Platonismo jamais poderia acertar o coração do homem e chamou a atenção de São Justino para os profetas. "Quando ele tinha falado essas coisas e muitas outras... foi embora, sugerindo que eu desse atenção a isso. Não o vi desde então. Mas de uma só vez uma chama foi acessa em minha alma e desenvolveu em amor pelos profetas e por aqueles homens que são amigos de Cristo. Encontrei esta filosofia [isto é, o Cristianismo] como a única segura e proveitosa".

Sua conversão ao Cristianismo ocorreu provavelmente em Éfeso. Desde então ele passou o resto de sua vida explicando e defendendo a fé cristã, vestindo sempre - como fizeram Aristides, Atenágoras, Tertuliano e outros Padres Apostólicos - seu manto filosófico (τρίβώνιον ou pálio), um casaco esfarrapado usado pelos filósofos e posteriormente pelos monges como sinal de estudo severo e vida austera. Durante o reinado de Antonino Pio (138-161), São Justino mudou-se para Roma e estabeleceu ali uma escola. São Justino foi decapitado provavelmente em 165. O relato de sua morte no Marturiun S. Justini et Sociorum é baseado na transcrição oficial da corte quando Junius Rusticus foi prefeito (163-167) durante o reinado do Imperador Marcus Aurelius Antoninus, o filósofo estóico. A sentença pronunciada contra São Justino e seis outros cristãos lê: "Que aqueles que não aceitam sacrificar aos deuses e submeter-se ao comando do Imperador sejam flagelados e levados para a decapitação conforme a lei".

São Justino escreveu prolificamente, mas apenas três de suas obras chegaram a nós - suas duas Apologias (que podem ser uma só obra) e seu Diálogo com Trifão, a mais antiga apologia em face dos judeus. Possuímos apenas fragmentos - às vezes apenas o título - de outras obras escritas por São Justino. Um livro, ao qual ele mesmo refere-se em sua Primeira Apologia, foi escrito contra "todas as heresias" - Liber contra Omnes Haereses. Outro, mencionado por Eusébio e usado por Santo Irineu de Lyon, foi escrito em oposição a Marcião - Adversus Marcionem. Eusébio alega que São Justino escreveu um Saltério, do qual nada restou. Ele também escreveu um Discurso contra os gregos, uma Confutação (aos gregos), Sobre a Alma, Sobre a soberania de Deus e Sobre a ressurreição. Três fragmentos substanciais deste último foram preservados na Sacra Parallela de São João Damasceno.

São Justino teve diálogo com pensadores pagãos e, por isso, espera-se que ele teria tocado na maioria dos ensinamentos da fé cristã, diferentemente de documentos cristãos anteriores que foram escritos no contexto da comunidade cristã e pressupunham conhecimento da fé cristã por parte dos leitores. São Justino apresenta o Cristianismo como uma filosofia, uma realidade de pensamento que abraça toda vida e morte, como a realidade da vida. Em sua Primeira Apologia, ele escreve que o Logos "tomou forma e tornou-se homem, e foi chamado Jesus Cristo". O "verdadeiro Deus" é o "Pai da justiça", o "Deus não-gerado e impassível". Os cristãos adoram e cultuam Deus "e o Filho que veio dele... e o Espírito profético". O Logos é divino, "gerado de Deus".

O Jesus histórico é enfatizado: "É Jesus Cristo que ensinou-nos essas coisas. Ele nasceu para este propósito e foi crucificado sob Pôncio Pilatos, o qual foi procurador na Judéia no tempo de Tibério César". "Cristo nasceu há cento e cinquenta anos sob Quirinus, e ensinou o que pregamos ainda mais tarde, sob Pôncio Pilatos". Ele é "o Filho do verdadeiro Deus... em segundo lugar e o Espírito profético em terceiro lugar". Nós seguimos o "único Deus não-nascido [o Pai] através de seu Filho", o qual "foi gerado por Deus como Logos de Deus de uma maneira única além do nascimento ordinário". Ele "nasceu de uma virgem... veio aos homens como homem... foi crucificado" e "sua paixão" é "única". "Jesus Cristo somente é gerado Filho de Deus, sendo seu Logos e Poder, e tornando-se homem... para a reconciliação e restauração da raça humana".

Assim ele descreve o culto da Igreja no século II:
Nós, porém, depois de lavado [no batismo], conduzimos o que creu e se agregou a nós, para junto dos que se chamam irmãos, onde eles estão reunidos, a fim de elevarmos fervorosamente orações comuns por nós mesmos, por aquele que foi iluminado, e por todos os outros espalhados por toda parte, para que, tendo conhecido a verdade, sendo bons pela prática de boas obras e encontrados fiéis no cumprimento dos mandamentos, sejamos dignos de obter a salvação eterna. Terminadas as orações, saudamo-nos uns aos outros com o ósculo. Em seguida, se apresentam ao que preside os irmãos pão e um cálice de água e vinho misturado. Recebendo-os, ele eleva um hino de louvor e glória ao Pai de todas as coisas, pelo nome do Filho e do Espírito Santo. Pronuncia uma longa eucaristia por Ele se ter dignado de conceder-nos estas coisas. Tendo terminado as preces e a eucaristia, todo o povo presente aclama, dizendo: Amém. Pois o Amém, na língua hebraica, significa: Assim seja. Uma vez que o que preside terminou a eucaristia e todo o povo tiver aderido com a aclamação, os que entre nós são chamados diáconos dão a cada um dos presentes parte do pão, do vinho e da água eucaristizados, que eles levam também para os ausentes. 
Este alimento se chama entre nós Eucaristia; a nenhum outro é lícito dele participar senão ao que crê ser verdadeiro o que foi ensinado por nós e se tenha lavado no banho para o perdão dos pecados e a regeneração e viva como Cristo nos ensinou. Pois nós não tomamos estas coisas como se fosse pão comum, ou bebida ordinária, mas, assim como Jesus Cristo nosso Salvador, feito carne pela força do verbo de Deus, assumiu carne e sangue para a nossa salvação, assim também nos foi ensinado que, em virtude da prece do verbo pelo qual foi eucaristizado, o alimento - de que, por uma transformação, se nutrem nosso sangue e nossa carne - é a carne e o sangue daquele mesmo Jesus que se encarnou. Os Apóstolos nos comentários escritos por eles, chamados Evangelhos, realmente transmitiram que assim lhes foi ordenado: que Jesus, tendo tomado o pão, e dando graças, disse: "Fazei isto em memória de mim, isto é o meu corpo"; e igualmente, tendo tomado o cálice e dado graças, disse: "Isto é o meu sangue" e que o repartiu somente a eles. 
(...) E no dia chamado do Sol, realiza-se uma reunião num mesmo lugar de todos os que habitam nas cidades ou nos campos. Lêem-se os comentários dos Apóstolos ou os escritos dos profetas, enquanto o tempo o permitir. Em seguida, quando o leitor tiver terminado a leitura, o que preside, tomando a palavra, admoesta e exorta a imitar estas coisas sublimes. 
Depois nos levantamos todos juntos e recitamos orações; e como já dissemos, ao terminarmos a oração, são trazidos pão, vinho e água e o que preside, na medida de seu poder, eleva orações e igualmente ações de graças e o povo aclama, dizendo o Amém. Então vem a distribuição e a recepção, por parte de cada qual, dos alimentos eucaristizados e o seu envio aos ausentes através dos diáconos. 
Os que possuem bens e quiserem, cada qual segundo sua livre determinação, dão o que lhes parecer, sendo colocado à disposição do que preside o que foi recolhido. Ele, por sua vez, socorre órfãos e viúvas, os que por enfermidades ou outro qualquer motivo se encontram abandonados, os que se encontram em prisões, os forasteiros de passagem; em uma palavra, ele se torna provedor de quantos padecem necessidade. 
Fazemos a reunião todos juntos no dia do Sol, porque é o primeiro, em que Deus, transformando as trevas e a matéria, fez o cosmos, e Jesus Cristo, nosso Salvador no mesmo dia ressuscitou de entre os mortos (Apologia I, 65-67).
E sobre o batismo, ele ensina:
Explicaremos agora de que modo, depois de renovados por Jesus Cristo, nos consagramos a Deus, para que não aconteça que, omitindo este ponto, demos a impressão de proceder um pouco maliciosamente em nossa exposição. Todos os que se convencem e acreditam que são verdadeiras essas coisas que nós ensinamos e dizemos, e prometem que poderão viver de acordo com elas, são instruídos, em primeiro lugar, para que com jejum orem e peçam perdão a Deus por seus pecados anteriormente cometidos, e nós oramos e jejuamos juntamente com eles. Depois os conduzimos a um lugar onde haja água e pelo mesmo banho de regeneração, com que também nós fomos regenerados, eles são regenerados, pois então tomam na água o banho em nome de Deus, Pai soberano do universo, e de nosso Salvador Jesus Cristo e do Espírito Santo. É assim que Cristo disse: "Se não nascerdes de novo, não entrareis no Reino dos Céus" [João 3:5]. É evidente para todos que, uma vez nascidos, não é possível entrar de novo no seio de nossas mães. Também o profeta Isaías, como citamos anteriormente, disse como fugiriam dos pecados aqueles que antes pecaram e agora se arrependem. Eis o que ele disse: "Lavai-vos, purificai-vos, tirai as maldades de vossas almas e aprendei a fazer o bem, julgai o órfão e fazei justiça à viúva; então vinde e conversemos, diz o Senhor. Se vossos pecados forem como a púrpura, eu os tornarei brancos como a lã; se forem como o escarlate, eu os alvejarei como a neve. Se não me escutardes, a espada vos devorará, porque assim falou a boca do Senhor" [Isaías 1:16-18]. A explicação que aprendemos dos apóstolos sobre isso é a seguinte: uma vez que não tivemos consciência de nosso primeiro nascimento, pois fomos gerados por necessidade de um germe úmido, através da união mútua de nossos pais, e nos criamos em costumes maus e em conduta perversa, agora, para que não continuemos sendo filhos da necessidade e da ignorância, mas da liberdade e do conhecimento e, ao mesmo tempo, alcancemos o perdão de nossos pecados anteriores, pronuncia-se na água, sobre aquele que decidiu regenerar-se e se arrepende de seus pecados, o nome de Deus, Pai e soberano do universo; e aquele que conduz ao banho pronuncia este único nome sobre aquele que vai ser lavado. Com efeito, ninguém é capaz de dar um nome ao Deus inefável; se alguém se atrevesse a dizer que esse nome existe, sofreria a mais vergonhosa loucura. Esse banho chama-se iluminação, para dar a entender que são iluminados os que aprendem estas coisas. O iluminado se lava também em nome de Jesus Cristo, que foi crucificado sob Pôncio Pilatos, e no nome do Espírito Santo, que, por meio dos profetas, nos anunciou previamente tudo o que se refere a Jesus (Apologia I, 61).

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