A Igreja e seus Mistérios


Tendo confessado a sua Fé na Divindade tri-hipostásica, a Igreja confessa a sua fé em si própria, porque se reconhece como instrumento e veículo da Graça divina e reconhece as suas obras como obras de Deus, não como obras dos indivíduos que a compõem na sua manifestação visível (sobre a Terra). Nesta concisão ela mostra que o conhecimento no que diz respeito à sua essência e existência é como um dom da Graça, concedido de cima e acessível apenas à Fé e não à razão.

Que necessidade teria de dizer "eu creio," se já conhecesse? Não é a Fé a evidência das coisas não vistas? Mas a Igreja visível não é a sociedade visível dos cristãos, mas o Espírito de Deus e a Graça dos Sacramentos habitando nessa sociedade. Razão pela qual até a Igreja visível apenas o é para o crente; porque para o descrente um Sacramento é apenas um rito e a Igreja somente uma sociedade. O crente, que com os olhos do corpo e da razão apenas vê a Igreja nas suas manifestações exteriores, pelo Espírito toma conhecimento Dela nos seus Sacramentos, orações e obras que agradam a Deus. Por esse motivo não a confunde com a sociedade que usa o nome de Cristã porque nem todos os que dizem "Senhor, Senhor" pertencem realmente ao povo eleito e à semente de Abraão. O verdadeiro Cristão sabe pela Fé que a Igreja Una, Santa, Católica e Apostólica nunca desaparecerá da face da terra até ao juízo final de toda a Criação, que Ela permanecerá na terra, invisível aos olhos da carne ou à compreensão humana, entre a sociedade Cristã visível, exatamente da mesma maneira como permanece na Igreja celeste, visível aos olhos da Fé mas invisível aos olhos do corpo. Os Cristãos também sabem, através da Fé, que a Igreja terrena apesar de invisível, está sempre revestida de uma forma visível, que nunca constituiu nem pode ter constituído, nem constituirá uma época durante a qual os Sacramentos sejam mutilados, a santidade anulada ou a doutrina corrompida. E sabem ainda que não é Cristão quem não souber dizer onde, desde o tempo dos Apóstolos, os Santos Sacramentos têm sido e estão a ser administrados, onde a doutrina foi e é preservada, onde as orações foram e estão a ser enviadas para o Trono da Graça. A Santa Igreja confessa e acredita que a ovelha nunca foi privada do seu Divino Pastor e que a Igreja nunca se pôde desviar pela vontade da razão — pela compreensão da ação de Deus no seu seio — ou submeter-se a falsas doutrinas por atrevimento — porque dentro dela age o poder do Espírito de Deus.

Acreditando nas palavras da promessa de Deus que designou por amigos de Cristo e Seus irmãos a todos os seguidores da doutrina de Cristo, e através d'Ele, filhos adotivos de Deus, a Santa Igreja revela os caminhos pelos quais agrada a Deus conduzir a humanidade morta da Queda até à reconciliação no Espírito da Graça e da Vida. Assim, mencionando os Profetas (os representantes da época do Antigo Testamento) Ela revela os Sacramentos, através dos quais, na Igreja do Novo Testamento, Deus faz descer a Sua Graça sobre os homens e mais especificamente revela o Sacramento do Batismo para a remissão dos pecados, como contendo dentro de si o princípio de todos os outros; porque só pelo Batismo o homem entra na Unidade da Igreja, que é a guardiã de todos os outros Sacramentos.

Sacramento do Batismo

Confessando um só Batismo para a remissão dos pecados como um Sacramento ordenado por Cristo para a entrada na Igreja do Novo Testamento, a Igreja não julga aqueles que não entraram na comunhão com Ela através do Batismo, porque somente se julga e se conhece a si própria. Só Deus conhece a dureza do coração e julga a fraqueza da razão de acordo com a Verdade e a Misericórdia. Muitos foram salvos e receberam a Herança sem terem recebido o Sacramento do Batismo com água; porque isto foi instituído somente para a Igreja do Novo Testamento. Quem o rejeita, rejeita a Igreja inteira e o Espírito de Deus que habita no seu seio, mas ele não foi ordenado ao homem desde o princípio, nem foi prescrito pela Igreja do Antigo Testamento. Assim, se alguém disser que a circuncisão era o Batismo do Antigo Testamento, rejeita o Batismo da mulher, para a qual não havia circuncisão; e o que se dirá acerca dos Patriarcas, de Adão à Abraão, que não receberam o selo da circuncisão? E, em qualquer caso, não se reconhece que fora da Igreja do Novo Testamento o Sacramento do Batismo não era uma obrigação? Se se disser que foi em benefício da Igreja do Antigo Testamento que Cristo recebeu o Batismo, quem estabelecerá um limite à bondade amorosa de Deus que tomou sobre Ele os pecados do mundo? O Batismo é na verdade uma obrigação, porque só ele é a porta de entrada para a Igreja do Novo Testamento e só no Batismo o homem testemunha o seu assentimento à ação redentora da Graça. Por conseguinte, também no único Batismo ele é salvo.

Além disso, nós sabemos que confessando um só Batismo, como princípio de todos os Sacramentos nós não rejeitamos os outros porque, acreditando na Igreja, confessamos juntamente com ela sete Sacramentos, a saber: Batismo, Eucaristia, Ordem, Confirmação com Crisma, Matrimônio, Penitência e a Unção dos Enfermos. Há ainda muitos outros Sacramentos, porque cada obra realizada com Fé, Amor e Esperança é sugerida ao homem pelo Espírito de Deus e invoca a Graça invisível de Deus. Mas, na realidade, os Sete Sacramentos não são executados por um único indivíduo, digno da misericórdia de Deus, mas por toda a Igreja através desse indivíduo, mesmo que ele não seja digno.

Sacramento da Eucaristia

No que diz respeito ao Sacramento da Eucaristia a Santa Igreja ensina que através dele é verdadeiramente realizada a transformação do pão e do vinho no Corpo e no Sangue de Cristo. A Igreja não rejeita o termo "transubstanciação," mas não lhe atribui aquele significado material que lhe é dado pelos mestres das igrejas que apostataram. A transformação do pão e do vinho no Corpo e Sangue de Cristo é realizada dentro da Igreja e para a Igreja. Se um homem recebe os Dons consagrados, lhes presta culto ou pensa neles com Fé, ele na realidade recebe, adora e pensa no Corpo e Sangue de Cristo. Se ele os recebe indignamente, rejeita na realidade o Corpo e o Sangue de Cristo. Em qualquer dos casos, com Fé ou com descrença, ele é santificado ou condenado pelo Corpo e Sangue de Cristo. Mas este Sacramento existe para a Igreja e não para o mundo exterior, nem para o fogo, nem para as criaturas irracionais, nem para a corrupção, nem para o homem que não der ouvidos a Lei de Cristo. Na Igreja (estamos a falar da Igreja visível), para os eleitos e para os réprobos, a sagrada Eucaristia não é somente uma comemoração relacionada com o Mistério da Redenção, não se trata de uma simples presença de dons espirituais no pão e no vinho, não é apenas uma recepção espiritual do Corpo e Sangue de Cristo, mas é o Seu verdadeiro Corpo e Sangue. Não só em Espírito quis Cristo unir-se com os fiéis, mas também em Corpo e Sangue. Para que essa união possa ser completa, ela não é só espiritual, mas também corporal. As explicações absurdas que dizem respeito à relação entre o santo Sacramento e os elementos e as criaturas irracionais (quando o Sacramento apenas foi instituído para a Igreja), e esse orgulho espiritual que despreza o Corpo e o Sangue e rejeita a união corporal com Cristo, são igualmente contrárias à Igreja. Nós não podemos ressuscitar sem o corpo e nenhum espírito (à exceção do Espírito de Deus) pode ser considerado inteiramente incorpóreo. Aquele que despreza o corpo peca por orgulho espiritual.

Sacramento da Ordem

Sobre o Sacramento da Ordem a Santa Igreja ensina que através dele a Graça que torna os Sacramentos atuantes é transmitida sucessivamente desde os Apóstolos e a partir de Cristo. Assim nenhum Sacramento pode ser atuante sem ser através da Ordenação (apesar de que qualquer cristão está apto a abrir a porta da Igreja através do Batismo, a uma criança, a um judeu ou a um pagão), e essa Ordenação contém em si própria toda a amplitude da Graça dada por Cristo à Sua Igreja. E a Igreja, ao comunicar aos seus membros a plenitude dos Dons espirituais, no vigor da liberdade que lhe foi dada por Deus, estabeleceu diferenças nos graus da Ordem. 0 Presbítero, que executa todos os Sacramentos à exceção da Ordem, tem um determinado dom. 0 Bispo, que executa a Ordenação, tem outro, e não existe nenhum dom mais elevado que o do Episcopado. Este Sacramento tem, para aquele que o recebe, o importante significado de que, mesmo no caso de ser indigno, ao ministrar os Sacramentos, necessariamente que a sua ação não provirá dele próprio mas de toda a Igreja, isto é, de Cristo vivendo no seu seio. Se o Sacramento da Ordem cessasse, todos os Sacramentos, à exceção do Batismo, igualmente cessariam e a raça humana seria afastada da Graça: porque a própria Igreja prestaria então testemunho de que Cristo se teria afastado d'Ela.

Sacramento da Crisma

Acerca do Sacramento da Confirmação (ou Crisma ) a Igreja ensina que através dele os dons do Espírito Santo são conferidos aos Cristãos, confirmando a sua Fé e a sua santidade interior. Este Sacramento é, pela vontade da Santa Igreja, distribuído não apenas pelos Bispos mas também pelos Presbíteros, apesar do Crisma poder ser abençoado somente por um Bispo.

Sacramento do Matrimônio

Sobre o Sacramento do Matrimônio a Santa Igreja ensina que a Graça de Deus, que abençoa a sucessão das gerações na existência temporal da raça humana e a santa união do homem e da mulher para a organização de uma família, é uma Graça sacramental que impõe sobre aqueles que a recebem uma elevada obrigação de amor mútuo e de santidade espiritual, através da qual o que de outra maneira seria pecaminoso e material é revestido de retidão e pureza. Razão pela qual os grandes mestres da Igreja, os Apóstolos, reconhecem o Sacramento do Matrimônio mesmo entre os pagãos porque ao mesmo tempo que proíbem a união irregular, confirmam o casamento entre os Cristãos e os pagãos, dizendo que o homem é santificado pela mulher crente, e a mulher pelo marido crente (Cor 7:14). Estas palavras dos Apóstolos não significam que um descrente possa ser salvo pela sua união com um crente, mas que o seu casamento é santificado, porque não é a pessoa, mas o marido ou a mulher que são santificados. Uma pessoa não é salva através de outra, mas ou o marido ou a mulher é santificado em relação ao casamento. E assim o casamento não é impuro mesmo entre os idólatras; mas eles não conhecem a graça que Deus lhe deu. A Santa Igreja, através dos seus sacerdotes reconhece e abençoa a união, abençoada por Deus, do marido e da mulher. Deste modo o casamento não é somente um ritual, mas um verdadeiro Sacramento. E esse Sacramento é realizado na Santa Igreja, porque apenas Nela os santos atos são cumpridos em toda a sua plenitude.

Sacramento da Penitência

Acerca do Sacramento da Penitência a Santa Igreja ensina que sem ele o homem não pode ser liberto da escravidão do pecado e do orgulho pecaminoso, porque o homem não pode redimir a si próprio dos seus pecados (porque nós apenas temos a possibilidade de nos condenarmos e nunca de nos auto justificarmos), e apenas a Igreja tem o poder de justificar, porque dentro Dela vive a plenitude do Espírito de Cristo. Nós sabemos que depois do Salvador, o primogêntito do Paraíso ou no Santuário de Deus pela condenação de si próprio, isto é, pelo Sacramento da Penitência, porque ele disse: "para que cada um receba o galardão segundo o que tiver feito" (II Cor 5:10 N .dos T.), e o homem recebe a absolvição de Deus porque só Ele pode absolver e o faz pela boca da Sua Igreja.

Sacramento da Unção

Acerca do Sacramento da Unção com óleo consagrado (Unção dos Doentes) a Igreja ensina que com ele se completa a bênção de todos os esforços (Tim 4:7) do homem durante a sua vida sobre a terra, de toda a caminhada que ele realiza com fé e humildade, e que na Unção dos Doentes o divino veredito é pronunciado sobre o corpo terreno, curando-o, quando todos os meios medicinais não se mostraram benéficos ou, de outro modo, permitindo que a morte destrua o corpo corruptível que deixa de ser necessário para a Igreja Terrena ou para os misteriosos caminhos de Deus.

- Alexei Khomiakov, A Igreja é Una

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