Escritura e Tradição


O Espírito de Deus, que habita na Igreja, conduzindo-A e tornando-A sábia, manifesta-se no Seu interior de diversas maneiras: na Escritura, na Tradição e nas Obras. Pois a Igreja que executa a obra de Deus é a mesma que preserva a Tradição e redigiu as Escrituras. Nem um indivíduo nem um conjunto de indivíduos, dentro da Igreja, preservam a Tradição ou escrevem as Escrituras; mas sim o Espírito de Deus, que habita na totalidade do corpo da Igreja. Portanto não é nem correto nem possível que se procurem áreas de Tradição nas Escrituras, nem provas das Escrituras na Tradição, nem a justificação das Escrituras e da Tradição nas Obras. Para um homem que viva fora da Igreja nem a Escritura nem a Tradição nem as Obras são compreensíveis. Mas para aquele que vive no seu seio e está unido ao espírito da Igreja, essa unidade é expressa pela Graça que habita no interior Dela.

As Obras não precedem a Escritura e a Tradição? A Tradição não precede a Escritura? As obras de Noé, Abraão e dos nossos antepassados, representativos da Igreja do Velho Testamento, não agradaram a Deus? E a Tradição não existia entre os Patriarcas, começando por Adão, o nosso primeiro pai? Deus não deu liberdade ao homem e não concedeu ensinamento verbal antes dos Apóstolos, pelos seus escritos, difundirem o testemunho da obra da redenção e da lei da liberdade? Por conseguinte, entre Tradição, Obras e Escritura não há contradições, mas, pelo contrário, completa concordância. O homem compreende as Escrituras, assim como preserva a Tradição e executa as Obras, de acordo com a sabedoria que habita nele. Mas a sabedoria que nele existe não lhe é concedida individualmente, mas como membro da Igreja, e é concedida parcialmente, sem que fique anulada a sua possibilidade de erro individual; mas à Igreja é dada a plenitude da Verdade, sem a possibilidade de erro. Consequentemente não deve julgar a Igreja mas submeter-se a Ela, porque a sabedoria não pode ser obtida a partir dele.

Todo aquele que procure prova da verdade da Igreja, ou manifesta através desse ato a sua dúvida e se exclui da Igreja, ou assume a aparência daquele que duvida e simultaneamente conserva a esperança de provar a verdade e de chegar até ela através da razão. Mas os poderes da razão não alcançam a verdade de Deus, e a fraqueza do homem manifesta-se pela fraqueza das suas razões. O homem que aceita somente a Escritura e apenas Nela encontra a Igreja, está na verdade a rejeitá-La, e espera fundí-La de novo pelos seus próprios meios. O homem que aceita somente a Tradição e as Obras e deprecia a importância das Escrituras, está igualmente, e na realidade, a rejeitar a Igreja e a constituir-se em juiz do Espírito de Deus que falou pela Escritura. A sabedoria cristã não é um tema de investigação intelectual, mas de uma fé viva que é uma dádiva da Graça.

A Escritura, a Tradição e as Obras são exteriores e o que lhes é interior é o Espírito de Deus. Partindo apenas da Tradição, das Escrituras ou das Obras, o homem não consegue senão obter um conhecimento incompleto e exterior, que pode de fato conter em si verdade porque é parte da Verdade, mas ao mesmo tempo é necessariamente errôneo, pois incompleto. Um crente conhece a Verdade, mas um descrente não a conhece ou pelo menos apenas a identifica através de um conhecimento exterior e imperfeito A Igreja não se prova quer pelas Escrituras, quer pela Tradição ou pelas Obras, mas contém em si própria o testemunho, como o Espírito de Deus, habitando nela, manifesta o Seu testemunho nas Escrituras. A Igreja não pergunta qual Escritura é verdadeira, qual Tradição é verdadeira, qual Concílio é verdadeiro ou que Obras agradam a Deus porque Cristo conhece a Sua própria herança, e a Igreja na qual Ele habita sabe isso através do conhecimento interior e não pode deixar de identificar as suas próprias manifestações. O conjunto dos livros do Novo e do Antigo Testamentos, que a Igreja reconhece como seus, chama-se Sagrada Escritura. Mas não há limites às Escrituras, porque qualquer escrito que a Igreja reconheça como seu é Sagrada Escritura. Do mesmo modo e de maneira proeminente, estão os Credos dos Concílios Gerais e, especialmente, o Credo de Nicéia-Constantinopla. Por conseguinte os textos das Sagradas Escrituras chegaram até aos nossos dias e, se Deus quiser, mais alguns serão escritos. Mas na Igreja não houve nem haverá qualquer contradição, tanto nas Escrituras como na Tradição ou nas Obras; porque nas três está Cristo, uno e imutável.

- Alexei Khomiakov, A Igreja é Una

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