Traduzido de The Early Christian Writers de George Florovsky
Santo Irineu conta-nos que sentou aos pés de São Policarpo, e que este tinha tido contato pessoal com S. João e sido consagrado bispo pelos apóstolos - segundo Tertuliano, por S. João. Também conta-nos que S. Policarpo era tido em alta estima e era a última testemunha da era apostólica. Que ele era muito estimado é algo atestado por sua visita a Roma para discutir questões eclesiásticas com o Papa Aniceto, especialmente o problema da data de celebração da Páscoa. Foi em Roma que S. Policarpo aparentemente encontrou-se com Marcião. Alega-se que Marcião perguntou se Policarpo o reconhecia na Igreja, pelo que Policarpo respondeu: "Eu o reconheço como o primogênito de satanás".
S. Policarpo nasceu por volta do ano 70, foi ordenado bispo antes de 110 e morreu provavelmente em 155 ou 156. O que é historicamente importante é que St. Irineu alegou que S. Policarpo havia escrito muitas cartas, tanto para comunidades cristãs quanto para outros bispos. Mas dessas "muitas cartas" apenas uma chegou a nós. Novamente, encontramo-nos na realidade da história, naquele encontro de uma era passada na qual havia uma fé viva, vibrante, e uma troca ocupada de cartas, cuja natureza nunca conheceremos. Mas podemos assumir seguramente que, seja qual for o conteúdo daquelas cartas perdidas, elas não dariam um conhecimento pleno daquela vivência da fé cristã que era completa; a fé que inspirou as cartas. É o depósito, a fé transmitida, a tradição passada adiante, que foi o motor das cartas. Mas nós possuímos uma carta - a Epístola aos Filipenses.
A Epístola aos Filipenses é muito breve e, novamente, é uma carta ocasional. Sobre aquele depósito original e vivo da tradição que havia sido transmitido, S. Policarpo escreve: "Abandonando os discursos vazios de muitos e falsos ensinamentos, retornemos à palavra que nos foi transmitida desde o começo". O contexto no qual S. Policarpo apela para a "palavra transmitida desde o começo" está em oposição aos "falsos irmãos", em oposição àqueles "que levam hipocritamente o nome do Senhor, enganam os homens vazios". Então ele diz mais concretamente: "Quem não confessa que Jesus Cristo veio na carne, é anticristo; aquele que não confessa o testemunho da cruz, é do diabo; aquele que distorce as palavras do Senhor segundo seus próprios desejos, e diz que não há ressurreição, nem julgamento, esse é primogênito de satanás". E parte dessa "palavra transmitida desde o começo" é que "estejamos agarrados à nossa esperança e ao penhor [άρραβών] de nossa justiça, isto é, Cristo Jesus", aquele que "carregou nossos pecados em seu próprio corpo sobre o madeiro, ele que não cometeu pecado e em cuja boca não foi encontrada nenhuma falsidade, mas que tudo suportou por nós, a fim de que vivêssemos nele". Assim como S. Inácio de Antioquia, S. Policarpo pode falar das ações da vida cristã, das "obras" de justiça, e simultaneamente saber que toda graça começa com Deus através de Cristo - χάριτι έστε σεσωσμένoι ουκ eξ έργων, αλλά θελήματι θεον, δια Ίησου Χριστου [Epístola aos Efésios 2:8].
E qual é a teologia de S. Policarpo acerca de Cristo? Ele escreve: "O Deus e Pai de nosso Senhor Jesus Cristo, e este mesmo pontífice eterno, Jesus Cristo Filho de Deus, nos edifique na paciência e longanimidade, na tolerância e castidade". Essa afirmação cristológica está em perfeita consonância com o entendimento de Cristo nos documentos do Novo Testamento e com as definições posteriores dos Concílios Ecumênicos. São Policarpo mantinha a humanidade concreta de Jesus, bem como sua Divindade e eternidade.
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