Carta de Alexei Khomiakov a William Palmer


Reverendíssimo Senhor,

Aceite meus agradecimentos de coração por sua carta amigável, e minhas desculpas pela demora em respondê-la. Não posso deixar de chamar sua carta de amigável, embora contenha alguns ataques severos a nós [ortodoxos]; uma disposição amigável existe nela, em minha opinião, e é manifesta pela honestidade de sua expressão. Penso que seus ataques são errados, em geral, mas são sinceros, e mostram um desejo honesto de encontrar a verdade. [...] Permita-me resumir suas acusações. Primeiro: 'Se pretendemos (e de fato somos) a única Igreja Católica ou Ortodoxa, devemos ser mais zelosos pela conversão das comunidades que erram, como o Espírito do apostolado, que é o verdadeiro espírito de amor, nunca pode ser extinto na verdadeira Igreja; no entanto, somos manifestamente deficientes nesse aspecto'. [...]

Admito honestamente nossa deficiência em zelo cristão, embora ao mesmo tempo procure desculpar nossa Igreja dessa acusação com respeito às comunidades ocidentais. [Minhas palavras] implicam uma convicção profunda de que a relutância do Ocidente em admitir a verdade simples da Igreja não surge da ignorância, nem de objeções racionais, mas de um obstáculo moral que nenhum esforço humano pode conquistar, se não for conquistado pelos melhores sentimentos da melhor parte da natureza humana naqueles que podem conhecer a verdade, mas não querem confessá-la. Tal disposição pode existir, embora a questão seja se existe no caso daqueles que estou falando. Não disse o Pai da Luz e Fonte do Amor, na parábola, pela boca de Abraão: 'Eles possuem Moisés e os Profetas? Se não os ouvirem, não ouvirão a Lázaro, ainda que ele fosse ressuscitado dos mortos'? Não tome minhas palavras como uma intenção de ofender. Não faria uma acusação injuriosa; tendo uma vez confessado a falta de zelo em meu país e povo [a Rússia], eu confessaria novamente. Mas minha convicção é que, de fato, no presente caso as palavras de Cristo podem ser bem aplicadas. Você está separado de nós por um obstáculo moral, cuja origem eu procurei traçar em minha carta anterior.

Mas essa mediocridade de zelo - a qual admito (em relação às nações pagãs) - implica defeito na própria Igreja Ortodoxa? Prova que ela não é mais que uma parte, ou talvez nem mesmo uma parte, da Igreja como um todo? Isso não posso admitir. Podemos considerar aí um defeito das nações para as quais a Igreja está temporariamente confiada (seja a Rússia ou a Grécia), mas de modo algum uma mancha na Igreja em si. Os caminhos de Deus são inescrutáveis. Umas poucas centenas de discípulos no espaço de dois séculos trouxeram ao rebanho de Cristo milhões de indivíduos. Se essa zelo consumidor continuasse a aquecer os corações dos cristãos, em quão pouco tempo toda a raça humana não estaria ouvindo e crendo na Palavra salvadora? Dezesseis séculos passaram-se desde aquela época; somos obrigados a confessar humildemente que a maior parte da humanidade ainda está escravizada pela escuridão e ignorância. Onde está o zelo do Apóstolo? Onde está a Igreja? Esse raciocínio provaria demais, se provasse alguma coisa. Muitos séculos, particularmente na Idade Média, e no começo da história moderno, viram poucos exemplos de conversões solitárias e nenhuma conversão nacional ou grande esforço missionário. Isso parece culpar toda a Igreja. O espírito de missões está agora gloriosamente avivado na Inglaterra, e espero que esse mérito não seja esquecido pelo Altíssimo nos dias da luta e do perigo que a Inglaterra talvez enfrente; mas essa nobre tendência é nova, ou pelo menos tornou-se aparente apenas recentemente. É um sinal de que a Igreja da Inglaterra está mais próxima da verdade agora? É prova de maiores energias ou pureza? Ninguém pode admitir isso. Ou tomemos o exemplo da comunidade nestoriana [Igreja Assíria]. Eles são geralmente ignorantes, embora a ignorância (em matéria de artes e ciências) era nossa sorte há pouco mais de um século. Os nestorianos são, em geral, pobres; mas isso não é defeito para um cristão. Eles são poucos, mas a verdade de sua doutrina não pode ser medida pelo número. Os nestorianos já foram ricos, mais instruídos e muito mais numerosos do que são no presente. Eles tinham o espírito de proselitismo! Seus missionários expandiram suas atividades por todo o Oriente, tão longe quanto a Índia ou o centro da China, e esse proselitismo não foi ineficaz. Milhões e milhões abraçaram o nestorianismo (o testemunho de Marco Polo não é o único a provar seu sucesso). Estava o nestorianismo mais próximo da verdade no tempo de seu triunfo do que em nosso tempo? O islamismo e o budismo trazem-nos a mesma conclusão. Verdade e erro tem seus tempos de ardente zelo e de comparativa frieza, e o caráter das nações certamente podem produzir os mesmos efeitos que o caráter das épocas. Portanto, não vejo razão para acusar a Igreja Ortodoxa em si mesma por um defeito ou fraqueza que pode pertencer - e em minha opinião evidentemente pertence - às nações que compõem suas comunidades.

Tendo assim distintas as notas da Igreja em si e as qualidades ou defeitos nacionais da comunidade oriental que somente a representa temporariamente, permita-me adicionar que a comparação que você faz entre o zelo dos latinos e a aparente indiferença do Mundo Oriental não é realmente justa. Não nego o fato em si, nem expresso dúvida quanto à aparente superioridade dos latinos nesse aspecto; mas não posso admitir seu espírito de proselitismo como sendo um sentimento cristão. [...] Ele é em muitos aspectos não-cristão para ser admirado, tendo produzido mais perseguidores do que mártires. [...] Nós tivemos nossos mártires, tivemos e ainda temos nossos missionários, cujo trabalho não foi infrutífero.

[...]

A Igreja não pode ser uma harmonia de discordantes; não pode ser a soma numérica de ortodoxos, latinos e protestantes. Tem que existir como harmonia interior do credo e harmonia exterior de expressão (mesmo com diferenças locais no rito). A questão não é se latinos e protestantes erraram tão gravemente a ponto de tornarem-se indivíduos privados de salvação, a qual parece frequentemente ser o objeto do debate - certamente uma questão mesquinha e indigna, pois parece lançar suspeita sobre a misericórdia de Deus. A questão é se eles possuem a verdade, e se guardaram a tradição apostólica pura. Se não guardaram, onde está a possibilidade de unidade?

Não duvide das energias da Ortodoxia. [...] Já vi a força da Igreja Oriental levantar-se, diante de agressões temporárias que pareciam fatais. E agora ela cresce, cada vez mais forte. O mundo correrá a ela. Digamos com o Apóstolo: 'Vem, Senhor Jesus'.

Alexei Khomiakov

(28 Novembro 1846)

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