A proibição do filioque pelo Papa Leão III

Carlos Magno é coroado pelo Papa Leão III.
 
O historiador John Julius Norwich relata em Absolute Monarchs, a History of the Papacy como o Papa Leão III (750-816) proibiu a adição do filioque no Credo, embora essa decisão tenha sido ignorada e desobedecida pelo imperador Carlos Magno e a Igreja franca:
Ele [Carlos Magno] já havia feito uma intervenção moderadamente desastrosa no debate iconoclasta; em 810 ele se envolveu mais uma vez em questões teológicas, desta vez sobre outro velho cavalo de guerra, a cláusula filioque. O Credo original determinado pelos Concílios de Nicéia e Constantinopla sustentava que o Espírito Santo “procede do Pai”; a isso, a partir do século VI, a Igreja Ocidental acrescentou a palavra filioque, “e do Filho”. Na época de Carlos, essa adição foi geralmente adotada em todo o império franco e, em 809, foi formalmente endossada pelo Concílio de Aachen, sua própria capital. Dois anos antes, os monges francos no Monte das Oliveiras, em Jerusalém, o introduziram em seus serviços, despertando uma oposição furiosa da comunidade oriental do vizinho Mosteiro de São Saba, após o que encaminharam a questão ao papa para uma decisão definitiva.

Leão [III] estava em um dilema. Como um ocidental devoto, ele estava perfeitamente feliz com a palavra ofensiva [isto é, com o ensino de que o Espírito "procede do Pai e do Filho" de algum modo], para a qual havia boa autoridade bíblica. Por outro lado, ele estava preparado para admitir que a Igreja Ocidental não tinha o direito de adulterar um Credo que havia sido redigido por um Concílio Ecumênico, e as relações com Constantinopla já eram bastante difíceis sem desencadear outro conflito. Sua solução foi uma tentativa de fazer as duas coisas: aprovar a doutrina enquanto suprimia a própria palavra – o que ele fez, não por meio de qualquer edito inflamatório, mas por ter o texto do Credo em sua forma original – ou seja, sem o filioque — gravada em grego e latim em duas placas de prata que foram fixadas nos túmulos de São Pedro e São Paulo. Seu endosso da unidade das duas igrejas em sua autoria conjunta do antigo Credo dificilmente poderia ter sido mais claro.

Carlos Magno, no entanto, estava previsivelmente furioso. Ele crescera com o filioque; se o Oriente se recusou a aceitá-lo, o Oriente estava errado. E quem se importava com o Oriente, afinal? Ele era o imperador agora; o papa deve pregar suas cores firmemente no mastro ocidental e deixar os hereges em Constantinopla por conta própria. Quando Leão [III] ordenou que ele removesse a palavra de suas liturgias, ele não fez nada e não respondeu; e quando, em 813, ele decidiu fazer de seu filho Luís co-imperador, ele claramente deixou de convidar o papa para realizar a cerimônia.
Outro historiador, Henry Chadwick, narra assim a resposta de Leão III em East and West, the Making of a Rift in the Church:
(...) Leão III evidentemente considerou as trocas neste debate como sendo assuntos de grande importância pública para a comunidade em geral. Em protesto contra os francos, talvez para tranquilizar os numerosos gregos em Roma, ele fez com que fossem erguidos em ambos os lados do memorial de São Pedro dois escudos de prata inscritos com o Credo de Constantinopla (381) em grego e latim, em ambos os casos sem Filioque. (Os escudos estavam lá 300 anos depois para Abelardo ver e comentar.) O Sacramentário Gelasiano do século VIII mostra que a forma de Credo usada em Roma no catecismo durante o século VIII não tinha filioque, de modo que Leão [III] estava afirmando a tradição romana existente, mesmo que tenha havido apenas uma declaração consciente de dissidência de Aachen. Que em Aachen houvesse qualquer intenção séria de seguir o desejo do Papa Leão de que o filioque fosse abandonado é muito improvável. Dois séculos depois, o filioque havia se tornado tão universal em todo o Ocidente latino que, aparentemente, até Roma acabou por ceder no ponto de uso litúrgico sob pressão dos Ottos saxões.
O registro da conferência entre os delegados de Aachen e o Papa Leão III é especialmente interessante pelo modo como o Papa via a autoridade do Credo. A seguir estão algumas passagens da conferência desses delegados com o Papa Leão, conforme relatado por Smaragdus, Abade de São Miguel em Lorena (Tom. Vii. Cone. Col. 1194.):
Delegados [francos]: Os mesmos criadores do Credo não teriam se saído bem se, acrescentando apenas quatro sílabas, eles tivessem tornado claro para todas as idades seguintes um mistério de fé tão necessário? 
Papa: Como não me atrevo a dizer que não teriam feito bem se o tivessem feito, porque, sem dúvida, teriam feito com ele como com o resto que omitiram ou colocaram, sabendo o que fizeram, e sendo iluminados não pela sabedoria humana, mas divina, então nem ouso dizer que eles entenderam este ponto menos do que nós: pelo contrário, eu digo que eles consideraram por que o deixaram de fora, e por que, uma vez deixado de fora, eles proibiram isso ou qualquer outra coisa a ser adicionada posteriormente. Considerai o que pensais de vós mesmos; pois, quanto a mim, não digo apenas que não me colocarei acima (daqueles santos Padres), mas Deus me livre de que eu me iguale a eles.

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