Qual é o verdadeiro 4º Concílio de Constantinopla?

 
Se buscarmos as listas dos Concílios ecumênicos, verificaremos que ortodoxos e católicos diferem sobre qual deve ser contado como o 8º Concílio ecumênico - também conhecido como o 4º Concílio de Constantinopla. Para os católicos, foi o sínodo realizado em 869-870. Para os ortodoxos, foi o que se realizou aproximadamente dez anos depois, em 879-880. Quem está certo?

O historiador católico Francis Dvornik abordou a questão em sua obra The Ecumenical Councils (1979). Ele explica que o sínodo de 869-870 (reconhecido pelos católicos) teve uma participação baixa e condenou o patriarca São Fócio:
A primeira sessão do Concílio [em 869-870], que se autodenominou Oitavo Ecumênico, contou com a presença de apenas doze prelados (5 de outubro de 869) e na última sessão, a décima (28 de fevereiro de 870), não mais de 102 prelados estiveram presentes. Por insistência do imperador, Fócio teve a oportunidade de se defender. Embora tenha proclamado corajosamente sua inocência e negado aos legados o direito de julgá-lo, foi excomungado com muitos de seus adeptos.

Como a grande maioria do clero permaneceu fiel a Fócio, Inácio encontrou grandes dificuldades na administração de seu patriarcado. Além disso, ele entrou em mais conflito com o Papa João VIII porque defendeu seus direitos na Bulgária, cujo governante Boris havia desertado de Roma (...).

Posteriormente, Inácio e Fócio se reconciliaram, ocorrendo o retorno deste último ao patriarcado. Essa reunião foi celebrada no concílio de 879-880 (reconhecido pelos ortodoxos):

Quando Fócio foi chamado de volta do exílio pelo imperador, Inácio se reconciliou com ele e pediu a Roma que enviasse legados para um novo concílio, que confirmaria a pacificação da Igreja bizantina. Os legados chegaram a Constantinopla somente após a morte de Inácio (23 de outubro de 877), e encontraram Fócio no trono patriarcal. O papa lhes enviou novas instruções, que continham o reconhecimento da elevação de Fócio, sob a condição de que ele pedisse perdão por seu comportamento anterior. 
Mas Fócio convenceu os legados de que havia sido eleito canonicamente e que merecia uma reabilitação incondicional. Portanto, as cartas papais foram lidas no concílio em uma nova versão, que omitiu a condição do papa (...).

Nesse sínodo, diz o Pe. Dvornik, o concílio anterior de 869-870 "foi cancelado". Após o retorno dos legados papais ao Papa João VIII, este aceitou a recusa de Fócio em pedir perdão por faltas anteriores. Conforme narra o historiador católico em Photian Schism, History and Legend (1958):

Depois de receber os legados no verão de 880, João VIII estudou cuidadosamente seus relatórios, os Atos do Concílio e as cartas do Imperador e do Patriarca. A resposta a essas cartas, datada de 13 de agosto do mesmo ano [M.G.H. Ep. vii, pp. 227, 228.], mostra com bastante clareza como o Papa reagiu aos acontecimentos em Constantinopla.
A carta de João VIII, em resposta a Fócio, diz:

Além disso, você insinuou em sua carta que, por sua sugestão, apenas aqueles que fizeram o mal devem pedir misericórdia. Também concordamos caridosamente que devemos lidar assim com aqueles que dizem que não conhecem a Deus. No entanto, não queremos exagerar o que foi feito, para que não tenhamos que julgar de acordo com os méritos. Portanto, deixe tais desculpas serem abandonadas, para que não caiam sob a condenação: ‘Vocês é que que se justificam diante dos homens, mas Deus conhece seus corações; pois o que é grande aos olhos dos homens é abominável aos olhos de Deus'.

Portanto, que a sua maravilhosa prudência, que se diz conhecer a humildade, não se ofenda por lhe ter sido pedido para suplicar a Igreja de Deus por misericórdia, mas antes humilhe-se para que seja exaltado e para que aprenda a dar fraternalmente afeição para quem mostrou misericórdia a você; e se tentar aumentar sua devoção e lealdade à Santa Igreja Romana e à nossa pessoa insignificante, nós também o abraçamos como um irmão e o temos como o amigo mais próximo.

Também aprovamos o que foi feito misericordiosamente em Constantinopla pelo decreto sinodal de sua reintegração e se por acaso no mesmo sínodo nossos legados agiram contra as instruções apostólicas, nem aprovamos sua ação nem atribuímos qualquer valor a ela.

Dvornik narra que João VIII percebeu que sua condição para a reintegração de Fócio (ou seja, que ele pedisse perdão) não foi aceita e até foi removida de seus documentos, mas ainda assim o papa não quis denunciar o fato e o aceitou como tal. Ele confirma que o papa "leu todos os Atos", e expressou seu reconhecimento ("aprovamos o que foi feito misericordiosamente em Constantinopla").

Com relação à última frase, de certo modo enigmática ("se por acaso... nossos legados agiram contra as instruções apostólicas, nem aprovamos sua ação nem atribuímos qualquer valor a ela"), Dvornik a interpreta como uma "cláusula cautelar" acerca de seu próprio primado. Não significa que o papa esteja negando o que foi dito ao longo de todo o documento, ou seja, que ele aprovou as decisões do sínodo tal como chegaram a ele. 

Assim se realizou a reunificação das igrejas e o fim do chamado (no ocidente) "cisma de Fócio". Posteriormente, S. Fócio se mostrou sempre grato ao papa, chamando-o de "meu João" (Mistagogia do Espírito Santo, 89). Anos depois, ele teve que renunciar a pedido do imperador Leão VI, mas morreu em comunhão com Roma em 891.

Isso era tão bem estabelecido que o canonista ocidental Ivo de Chartres registrou:

Que o sínodo de Constantinopla contra Fócio não deve ser aceito. João VIII disse ao Patriarca Fócio: Anulamos e revogamos absolutamente o sínodo contra Fócio realizado em Constantinopla tanto por outras razões como porque o Papa Adriano não o sancionou. (‘Constantinopolitanum synodum eam quae contra Photium est non esse recipiendam. Joannes VIII patriarchae Photio.’—‘Illam quae contra Photium facta est Constantinopoli synodum irritam facimus et omnino delevimus, tam propter alia, tam quoniam Adrianus papa non subscripsit in ea.’) [Decr, IV, 76].

J. N. D. Kelly, um estudioso patrístico anglicano, também reconheceu que Roma aceitou os decretos do Concílio de 879-880:

(...) o Concílio [879-80], reconhecido no Oriente como o Oitavo Concílio Geral... reafirmou o Credo de Constantinopla (381), e proibiu quaisquer acréscimos a ele; os romanos podiam concordar porque não havia discussão sobre a doutrina da dupla processão do Espírito Santo, e o Credo usado em Roma ainda não incluía o filioque. João [VIII] foi estadista o suficiente para ratificar suas decisões com o pós-escrito salvador de que ele rejeitou tudo o que seus legados poderiam ter concordado contra suas instruções (Oxford Dictionary of Popes, pg. 111).

Como, então, ocorreu a mudança na Igreja Ocidental, de modo que o concílio cancelado de 869-870 fosse enfim contado como o "oitavo concílio ecumênico"? Dvornik explica, em The Ecumenical Councils (capítulo I, 11), que isso ocorreu durante a Reforma Gregoriana (século XI):

Por uma coincidência interessante, aconteceu que os Atos dos Concílios do século IX, até então esquecidos no Ocidente, foram descobertos durante o reinado de Gregório VII, e sua interpretação começou a exercer uma profunda influência sobre os canonistas e teólogos ocidentais. A fim de encontrar evidências documentais mais convincentes para sua definição de primado papal, Gregório abriu os arquivos pontifícios para os canonistas encarregados da compilação de novas coleções de direito canônico. O que os canonistas mais precisavam era de uma decisão conciliar que pudesse ser usada contra a interferência de leigos na nomeação de bispos. Eles descobriram tal cânone (o vigésimo segundo) no concílio inaciano de 869-70, que se autodenominava ecumênico. Negligenciando o fato de que este concílio havia sido cancelado por outro - cujas Atas também foram mantidas nos arquivos pontifícios -, eles estabeleceram o concílio de 869-70 como um dos mais importantes Concílios Gerais. Este concílio foi designado pelos canonistas em suas coleções como o Oitavo Ecumênico. Mas anteriormente, como fica claro pelas declarações dos Papas Marino II e Leão IX, de São Pedro Damião e do Cardeal Humberto, os romanos, como os gregos, contavam apenas sete Concílios Ecumênicos.

Juntamente com os Atos, os canonistas descobriram as cartas de Nicolau I relacionadas ao caso Fócio. Impressionados pela atitude corajosa do papa contra o imperador Miguel III e pela excomunhão de um patriarca, a partir desses documentos construíram uma base firme para a defesa de todas as reivindicações estabelecidas no Dictatus Papae. Alguns chegaram ao ponto de concluir deles que Nicolau I havia excomungado um imperador, Miguel III – o que era falso – e viram nisso uma justificativa para a excomunhão de Gregório e a deposição do imperador Henrique IV.

Desse modo, o que ocorreu foi uma falsificação da história. A partir de então os canonistas católicos passariam a dizer - como se lê em Adrian Fortescue na Enciclopédia Católica de 1911 - que quando Fócio "enviou os Atos [do concílio] ao papa para sua confirmação... [o papa] João, naturalmente, novamente o excomungou". Mas isso contradiz os documentos da época, como mostram até historiadores católicos como o Pe. Dvornik,

O verdadeiro "oitavo concílio ecumênico" - se o contarmos assim em vez de reconhecer apenas sete ecumênicos - só pode ser o sínodo de 879-880, pois foi este que obteve reconhecimento na época tanto pelas Igrejas orientais quanto pelo Ocidente através do Papa João VIII.

Mas, afinal de contas, o que foi decidido no 4º concílio de Constantinopla (879-880) e confirmado pelo Papa?

Três questões principais:

1) Primeiro, foi confirmada a ecumenicidade do 2º concílio de Niceia, que condenou o iconoclasmo e defendeu a veneração dos ícones;

2) Confirmou a legitimidade de S. Fócio como patriarca de Constantinopla, nesse sentido anulando o que fora decidido contra ele em 869-870 (o sínodo hoje reconhecido como ecumênico pelos católicos);

3) Por último, este concílio anatematizou qualquer alteração no Credo Niceno-Constantinopolitano, condenando qualquer "adição ou remoção" e o uso de "frases inventadas", numa referência implícita, porém clara, à inserção do filioque no Credo. Não é surpreendente que o Papa aceitasse esse anátema, uma vez que, na época, Roma não utilizava o filioque no Credo e tinha proibido aos francos (como testemunhou o Papa Leão III, um dos predecessores de João VIII) sua adição.

Leia mais: The 8th Ecumenical Council (Pe. George Dragas).

A processão do Espírito Santo


Do blog "Ancient Insights".

Uma das principais razões pelas quais sou ortodoxo e não católico romano é a inserção do Filioque no Credo Niceno pela Igreja Latina. Neste artigo, explicarei por que acredito que a teologia por trás dessa inserção é herética e por que, portanto, não posso, em boa consciência, ingressar na Igreja Católica Romana. Por favor, note que estou aberto a mudar de idéia sobre este tópico se alguém puder demonstrar de forma muito persuasiva que os argumentos que apresento aqui são inválidos, mas até esse momento, essa é a visão que mantenho, não porque seja conveniente por causa da polêmica, mas sim porque, como será mostrado na seção abaixo sobre teologia bíblica, acho que o ensino ortodoxo sobre esse assunto leva a uma profunda compreensão de nossa vida em Cristo. Dito isso, vamos começar.
 
Teologia Patrística

Para entender minha oposição à doutrina do Filioque, é importante saber o que ela é em primeiro lugar. De acordo com o Concílio de Florença, expresso na bula papal do Papa Eugênio IV Laetentur Caeli, é a crença de que
O Espírito Santo procede do Pai juntamente com o Filho, eternamente como de um princípio [...]; o Filho deve ser significado de fato como causa e princípio de subsistência [existência] do Espírito Santo, assim como o Pai... Declaramos que quando os santos doutores e os Padres dizem que o Espírito Santo procede do Pai pelo Filho, indicam que também o Filho deve ser significado, segundo os gregos como causa, e segundo os latinos como princípio da subsistência do Espírito Santo, exatamente como o Pai (Concílio de Florença, Sessão 6-6 de julho de 1439, Definição).
A bula afirma que o Filho é a causa do Espírito Santo, no sentido grego do termo. Assim, a bula raciocina, quando os Padres Gregos escrevem que o Espírito “procede pelo [através do] Filho”, o que eles querem dizer com isso é que o Filho causa a subsistência/existência do Espírito Santo, “assim como o Pai”. Como veremos, a razão pela qual esta é uma questão tão grande, e porque esta foi a questão sobre a qual ocorreu o cisma entre Oriente e Ocidente, é porque tal crença é diretamente contrariada pelos próprios Padres Gregos que escreveram em detalhes sobre o tema.

São Gregório [de Nazianzo], o Teólogo, uma das principais figuras do Segundo Concílio Ecumênico, autor da cláusula “e creio no Espírito Santo…” do Credo de Nicéia [Constantinopla], escreveu famosamente que a causação do Filho e do Espírito Santo pertence apenas ao Pai. Para expressar isso, depois de explicar exaustivamente como o Pai é a única causa da geração do Filho e da processão do Espírito, ele escreve “tudo o que o Pai tem, o Filho também tem, exceto a causalidade” (Siecienski, pg. 42). Disso deduzimos que, segundo São Gregório, o Pai sendo a única “causa” do Filho e o Espírito é algo irredutivelmente único somente a Ele, o que significa que o Filho não pode ser a causa do Espírito como ensina Florença [menos ainda "de acordo com os gregos"]. Além disso, quando considerado à luz do fato de que São Gregório foi um dos Padres que participaram da adição da frase “que procede do Pai” ao Credo, fica claro que essa frase pretendia transmitir a compreensão grega da causalidade do Espírito somente do Pai, assim como falar do Filho sendo “gerado do Pai” também pretendia transmitir que o Filho é causado somente pelo Pai. Dado que é impossível separar a teologia dos Padres Conciliares da teologia dos próprios Concílios - e que o Filioque foi interpolado no próprio Credo que São Gregório [Nazianzeno] ajudou a propagar -, não é uma boa visão para o dogma católico-romano.

O próximo Padre grego que tem algo a dizer sobre o Filioque é São Cirilo de Alexandria que, em suas disputas com o bem-aventurado Teodoreto de Ciro (Siecienski, pg. 48-50), foi acusado de acreditar que “o Espírito tem sua subsistência do Filho ou através do Filho” por causa de seu uso da terminologia padrão alexandrina (e latina) de que o Espírito Santo procede do Pai “e do Filho” [sem, contudo, usar a expressão grega ekpouresis e sim proinai]. No entanto, em sua carta de resposta, São Cirilo deixou claro que não é nisso que ele acredita, e que ele reconhece, com o bem-aventurado Teodoreto, que o Pai é o único de quem o Espírito recebe a existência, confirmando a afirmação de que “o Espírito Santo não recebe existência do Filho ou por meio dele, mas procede do Pai e é chamado próprio do Filho por causa de sua consubstancialidade”. Contraste a negação de S. Cirilo de que o Espírito receba existência “do Filho ou através do Filho” com o ensino de Florença de que o Espírito de fato recebe existência “do Filho, assim como o Pai”, e que os Padres Gregos queriam dizer exatamente isso com a frase “através do Filho”. Como está claro, isso não está nem perto do que S. Cirilo quis dizer com essa frase, mas ele deixa claro que tudo o que essa frase implica é a consubstancialidade do Filho e do Espírito.

Nota do Tradutor: o autor se refere a um episódio em que S. Teodoreto de Cirro criticou S. Cirilo por este ter supostamente ensinado que o Espírito Santo devia sua existência ao Filho. Disse Teodoreto: "Devemos confessar que o Espírito do Filho era Seu se ele fala dele como da mesma natureza e procedente do Pai, e aceitaremos a expressão como consistente com a verdadeira piedade. Mas se ele fala do Espírito como sendo do Filho, ou como tendo sua origem através do Filho, rejeitaremos essa afirmação como blasfema e ímpia. Pois cremos no Senhor quando Ele diz: 'O Espírito que procede do Pai' [João 15:26]" (Contra os anátemas de Cirilo).

Posteriormente, S. Cirilo esclareceu a questão, explicando sua doutrina: "Nem ainda permitimos que nós mesmos ou outros alteremos uma palavra do que está estabelecido, ou ultrapassemos uma só sílaba, lembrando-nos daquele que disse: Não removas os limites eternos que os pais estabeleceram [Prov. 22:28]; porque não eram eles mesmos os oradores, mas o Espírito de Deus Pai [Mat. 10:20, João 15:26], que procede de fato dEle [isto é, do Pai], mas não é alheio ao Filho em relação à Essência" (Carta 39 a João de Antioquia).

Teodoreto reagiu louvando S. Cirilo por ter explicado, entre outras questões (cristológicas), "que o Espírito Santo não é do Filho, nem deriva existência do Filho, mas procede do Pai, e é propriamente dito ser do Filho, como sendo de uma substância. Contemplando esta ortodoxia na carta, nós cantamos Àquele que cura nossas línguas gaguejantes e transforma nossos ruídos discordantes na harmonia de música doce" (Carta 171). Desse modo a questão foi resolvida.

O que é significativo sobre isso é que uma das principais defesas do Filioque nos Padres gregos no Concílio de Florença foi o testemunho dos santos Atanásio e Cirilo, no entanto, dado que São Cirilo contradiz explicitamente o ensino de Florença (e há uma boa chance de que ele tenha entendido a teologia alexandrina do século IV melhor do que os latinos medievais), é quase certo que Santo Atanásio também [tenha pensado de igual forma], o que significa que esses dois não podem ser usados como suporte grego da doutrina Filioque como entendido em Florença, mas servem como prova concreta contra ela.

A seguir temos São Máximo o Confessor e sua Carta a Marino, que talvez seja uma das evidências mais importantes em todo este debate, porque é um dos primeiros conflitos documentados sobre o Filioque entre Oriente e Ocidente (a menos que você também conte a interação de S. Cirilo com Teodoreto). São Máximo, que sabia grego e latim e morou em Roma, recebeu a notícia de seus colegas gregos que estavam muito preocupados com o uso do “Filioque” pelos latinos [fora do Credo Niceno, pois Roma só aceitou a adição no século XI], temendo que fosse a crença herética que os mencionados santos Gregório e Cirilo haviam repudiado séculos antes. Primeiro, isso estabelece que a suspeita sobre o Filioque não era uma justificativa posterior para o cisma entre Oriente e Ocidente, mas era uma questão já no século VII. Em segundo lugar, a defesa de São Máximo do Filioque latino [defesa esta, entenda-se bem, da expressão em si e não de sua inserção no Credo comum da Igreja] é muito importante porque ele escreve:
“Eles [os latinos ortodoxos] mostraram que eles mesmos não fazem do Filho a causa do Espírito, pois eles sabem que o Pai é a única causa do Filho e do Espírito, um gerando e o outro por processão, mas mostram a progressão através dele e, portanto, a unidade da essência”.
Mais uma vez, lembre-se do ensinamento de Florença de que o Filioque significa que o Filho causa a existência do Espírito, assim como o Pai faz, e cita especificamente o uso grego desse termo. Vemos São Máximo explicitamente condenar este ensinamento, dizendo em vez disso que a posição ortodoxa é que o Filho não é “a causa do Espírito”, mas sim que a única causa do Filho e do Espírito é o Pai. Não apenas São Máximo explica o que o Filique não significa [em sua interpretação ortodoxa], mas também explica o que significa, dizendo que a progressão do Espírito através do Filho mostra “a unidade da essência” ou “consubstancialidade”. Lembre-se de que é exatamente isso que São Cirilo disse que a frase “pelo Filho” significava, e observe que está em contradição direta com o Concílio de Florença, que afirmou que os Padres gregos queriam dizer com essa frase que o Filho era a causa do existência do Espírito.

Que esta posição contradiz a moderna posição católico-romano é ainda evidenciado pelo fato de que os latinos rejeitaram a Carta de São Máximo a Marino como base para a reunião no Concílio de Florença, embora fossem eles a apresentá-la em primeiro lugar, não percebendo que contradizia sua própria posição! (Para um tratamento extensivo deste tópico, veja Siecienski, cap. 4).

Por último, temos São João de Damasco, que em muitos aspectos é visto como o sucessor espiritual de São Máximo (e é meu santo padroeiro!). Nenhum Padre da Igreja ensinou tão fortemente contra o moderno Filioque católico-romano, explicando em detalhe que o Espírito é causado “somente pelo Pai” e que Ele procede “pelo [através do] Filho” em virtude de sua consubstancialidade, que é precisamente o que os Padres gregos antes de São João sempre ensinaram:
E também falamos do Espírito Santo como vindo do Pai, e o chamamos de Espírito do Pai. E não falamos do Espírito como vindo do Filho; mas ainda assim o chamamos Espírito do Filho. Pois se alguém não tem o Espírito de Cristo, ele não é nenhum de Seus [Romanos 8:9], diz o divino apóstolo. E confessamos que Ele é manifestado e comunicado a nós através do Filho […]. Todos os termos, então, que são apropriados ao Pai, como causa, fonte, gerador, devem ser atribuídos somente ao Pai; enquanto aqueles que são apropriados ao Filho gerado, causado, Verbo, poder imediato, vontade, sabedoria, devem ser atribuídos ao Filho; e aqueles que são apropriados ao poder causado, processional, manifestante, aperfeiçoador, devem ser atribuídos ao Espírito Santo. O Pai é a fonte e causa do Filho e do Espírito Santo: Pai do Filho sozinho e produtor do Espírito Santo. O Filho é Filho, Verbo, Sabedoria, Poder, Imagem, Refulgência, Impressão do Pai e derivado do Pai. Mas o Espírito Santo não é o Filho do Pai, mas o Espírito do Pai como procedente do Pai. Pois não há impulso sem Espírito. E falamos também do Espírito do Filho, não como procedendo dele, mas como procedendo por meio dele do Pai. Pois somente o Pai é causa (Uma Exposição Exata da Fé Ortodoxa, Livro I, Capítulo 8, 12).

De acordo com os Padres antes dele, São João ensina que a causação do Filho e do Espírito pertence somente ao Pai, e que o Espírito Santo “não procede do Filho”, mas procede “através dele”, o que significa que o Espírito é “manifestado e comunicado a nós por meio do Filho”. Que este ensinamento contradiz Florença é claro como o dia. Para o Padre grego São João Damasceno, o sentimento de Florença de que quando os Padres gregos usaram a frase “através do Filho” eles realmente queriam dizer “do Filho” em termos de causação é claramente falso. O que é significativo sobre isso é que São João não estava apenas inventando essa doutrina, mas acreditava firmemente que era a posição oficial da Igreja (a “Exposição Exata da Fé”, como seu trabalho era chamado), assim como aqueles cristãos ortodoxos depois dele.

Com tudo o que foi escrito acima, deve ficar muito claro por que o Oriente grego se opôs tão fortemente à interpolação latina do Filioque no Credo Niceno. No entanto, e quanto aos Padres ocidentais? No Ocidente, é verdade que existem vários Padres que parecem ensinar o Filioque, como os santos Agostinho, Hilário, Leão, Gregório Magno, etc., porém esses Padres nunca entraram em detalhes como os Padres orientais e, portanto, eles não foram tão precisos em definir a natureza exata da relação entre o Filho e o Espírito (ver Siecienski, cap. 3). O que quero dizer com isso é que, enquanto os Padres gregos como os santos Gregório, Cirilo, Máximo e João Damasceno entraram em grandes detalhes explicando o que exatamente significa a frase “o Espírito procede do/através do Filho” (ou seja, que se refere à consubstancialidade e unidade da essência, e não à causalidade atribuída ao Filho), os Padres latinos tendiam a simplesmente usar uma dessas frases sem realmente explicar em grande detalhe o que eles queriam dizer com isso.

Isso não é descrédito dos Padres ocidentais, é simplesmente o caso de que os Padres ocidentais estavam lidando com questões diferentes dos orientais, e assim eles enfatizavam coisas diferentes, principalmente a consubstancialidade do Espírito com o Filho, e eles não se viram na necessidade de entrar nos detalhes das implicações da terminologia usada para descrever isso. É importante entender que a terminologia não é o que está em jogo no debate Filioque, mas sim o que se entende por essa terminologia que está em jogo. Por exemplo, alguém poderia sair citando João 14:28, gritando “o Pai é maior do que o Filho!” dos telhados, e esta terminologia é perfeitamente válida devido ao seu uso nas Escrituras. No entanto, para determinar se essa pessoa é ortodoxa ou não, precisaríamos que ela explicasse em detalhes o que exatamente ela acha que essa terminologia significa. Assim é com o Filioque. Não há problema intrínseco em dizer que “o Espírito Santo procede do Pai e do Filho”, mas o problema pode surgir se você entender essa frase no sentido heterodoxo que Florença faz, e não no sentido ortodoxo que os Padres gregos tão cuidadosamente articularam ao longo dos séculos.

Mais do que isso, porém, nota-se foi a teologia trinitária oriental que foi aceita nos Concílios Ecumênicos de I Constantinopla até a II Nicéia, e mesmo que alguns Padres ocidentais contradissessem os Padres orientais nesta questão (o que eu não acho que eles fizeram; veja o tratamento de Craig Truglia e Alura da pneumatologia de Santo Agostinho aqui e aqui), não há razão para exaltar os Padres ocidentais sobre os orientais; mas se o impulso for empurrado, há uma razão muito boa para escolher os últimos como a lente através da qual vemos os primeiros neste tópico específico, dado tudo o que foi explicado acima.

Teologia Bíblica

Agora que articulei totalmente a teologia patrística sobre a processão do Espírito Santo, gostaria de explicar por que acredito que o ensino ortodoxo sobre esse assunto é o mais coerente com a Sagrada Escritura. Para começar, vejamos com atenção os textos polêmicos clássicos usados ​​nos debates sobre a processão do Espírito:
“Mas quando vier o Consolador, que eu vos enviarei da parte do Pai, o Espírito da verdade, que procede do Pai, ele dará testemunho de mim; e também vós sereis testemunhas, porque estais comigo desde o princípio” (João 15:26-27).
Agora, neste texto, o que precisamos prestar atenção é exatamente como nosso Senhor diz que o Espírito virá aos apóstolos, e o que Ele fará uma vez entre eles. Cristo diz que enviará o Espírito do Pai. O significado dessa linguagem é que ela explica o que Cristo quer dizer quando diz mais tarde:
“Mas em verdade vos digo, é para o vosso bem que vou embora. A menos que eu vá embora, o Consolador não virá até vós; mas, se eu for, vo-lo enviarei” (João 16:7).

Por que Cristo não pode enviar o Espírito aos Apóstolos até que Ele tenha ascendido ao seu Pai? Este é um ponto que será comprovado à medida que explorarmos os textos bíblicos, mas a resposta é esta: porque para que Cristo envie o Espírito, Ele deve ascender ao céu em Seu Corpo glorificado e receber o Espírito do Pai como verdadeiro Deus e verdadeiro Homem, para que a enviasse aos seus Apóstolos. Isso é algo que está documentado no livro do Apocalipse (que dá uma visão dos céus da ascensão de Cristo):

“Então outro anjo pegou o incensário e o encheu com fogo do altar e o jogou sobre a terra; e houve trovões, vozes, relâmpagos e um terremoto”. (Apocalipse 8:5)
Nesta passagem, e de fato em todo Apocalipse, “outro anjo” indica o Cristo encarnado, e o fogo que Ele tira do altar de Deus e joga sobre a terra é o Espírito Santo, um ponto esclarecido pela linguagem paralela em Apocalipse 4:5, "Do trono saem relâmpagos, e vozes e trovões, e diante do trono queimam sete tochas de fogo, que são os sete Espíritos de Deus."

Como dito acima, isso ajuda a esclarecer por que a ascensão de Cristo foi necessária para que o Espírito Santo fosse enviado ao mundo, e por que nosso Senhor, no versículo inicialmente citado do Evangelho de São João, diz que o Espírito da verdade procede do Pai: porque é do altar do Pai que o Filho “toma o seu incensário e o enche” com o Espírito Santo, que Ele então lança sobre a terra. Em outras palavras, o Filho recebe o Espírito do Pai, o que O capacita a dar o Espírito aos Seus seguidores na terra.

Além disso, nesta mesma passagem, nosso Senhor continua dizendo que o Espírito da verdade, que procede do Pai, dará testemunho Dele, assim como os Apóstolos devem dar testemunho Dele, porque estão com Ele “desde o princípio”. Isso é importante notar porque implica que ser uma testemunha do Filho está relacionado a estar com Ele “no princípio”, estabelecendo assim que o Espírito Santo, como os Apóstolos, está com o Filho desde o princípio, implicando assim que tudo o que foi discutido acima refere-se não apenas à manifestação temporal da Trindade no tempo, mas também à manifestação eterna da vida intratrinitária.

Com tudo isso em mente, vamos passar para alguns textos mais classicamente polêmicos e examinar como eles se encaixam no quadro bíblico que construímos acima:

“Assim como o Pai me enviou, também eu vos envio, e, tendo dito isso, soprou sobre eles e lhes disse: Recebei o Espírito Santo. Se vós perdoardes os pecados de alguém, eles serão perdoados; se vós retiverdes os pecados de alguém, eles serão retidos” (João 20:21-23).
Embora haja muito a ser dito sobre essa passagem que trata especificamente do sacerdócio da Nova Aliança e dos sacramentos (algo que já explorei antes), o que queremos saber dessa passagem é mais amplo: Por que exatamente os apóstolos recebem o Espírito do Filho, e o que isso, em geral, os capacita a fazer? Ambas as questões são esclarecidas à luz do que São João diz sobre o Espírito no início de seu Evangelho:
“E quem acredita em mim beba. Como diz a Escritura: Do coração do crente fluirão rios de água viva. Agora ele disse isso sobre o Espírito, que os crentes nele deveriam receber; pois ainda não havia o Espírito, porque Jesus ainda não havia sido glorificado” (João 7:38-39).
Nesta passagem, nosso Senhor cita o Antigo Testamento para fazer referência ao que acontecerá com o coração de um verdadeiro crente, ou seja, que rios de água viva fluirão dele, algo que São João esclarece ser uma referência ao Espírito Santo. A lógica aqui modela o que foi dito acima: Assim como Jesus recebe o Espírito do Pai antes de enviá-lo aos outros, assim também um crente recebe o Espírito Santo, que o capacita a fluir de tal crente. Isso implica que o crente, como Cristo, tem a possibilidade de capacitar outra pessoa a receber o Espírito Santo. Isso é importante ter em mente quando olhamos para um texto de prova muito citado para o Filioque:
“Então ele me mostrou o rio da água da vida, brilhante como cristal, procedendo do trono de Deus e do Cordeiro”. (Apocalipse 22:1)
Mesmo os católico-romanos devem admitir que esta passagem não está falando sobre a processão hipostática do Espírito Santo, embora a palavra grega usada para descrever Seu “proceder” do [trono do] Pai e do Filho seja “ἐκπορευόμενον”, que os católico-romanos são rápidos em apontar como um termo que só pode ser usado para descrever a processão hipostática do Espírito do Pai. Então, se não é disso que esta passagem está falando, o que ela está dizendo?

Acredito que a resposta é esta: O Espírito flui do trono do Pai e do Filho, o que capacita os crentes a participarem dEle, pois “aquele que deseja tomará da água da vida sem preço” (22:17). E uma vez que esses crentes recebam o Espírito do Pai e do Filho, também o Espírito fluirá deles e regará toda a terra com vida. Em outras palavras, esta passagem está descrevendo como o Espírito habita eternamente dentro e flui do Pai para o Filho e, através Dele, para nós, e de nós para o mundo inteiro. São Beda, o Venerável, chegou a uma conclusão semelhante em seu comentário sobre o Apocalipse, onde ele aplica esta passagem à Igreja “semeando o Espírito” no mundo, a fim de obter seus frutos no século vindouro. E, é claro, essa interpretação é ainda confirmada pelo fato de que, como mostrado acima, Apocalipse é muito claro que o Filho deve primeiro receber o Espírito do Pai antes de dá-lo a qualquer outra pessoa, e diz-se que o Espírito “flui” do coração dos fiéis, assim como Ele flui de Cristo, o que significa que nosso relacionamento com o Pai e o Espírito é semelhante ao do Filho.

Uma vez que isso é entendido, faz todo o sentido por que os apóstolos, depois de receberem o Espírito de Cristo, passam a dar o Espírito aos outros ao longo de seu ministério (Atos 8:14-20). Além disso, isso lança uma enorme luz sobre o ensino de São Paulo sobre nossa adoção como filhos sob a Nova Aliança:
Mas vós não estais na carne; mas sim no Espírito, pois o Espírito de Deus habita em vós. Quem não tem o Espírito de Cristo não lhe pertence. Mas se Cristo está em vós, embora o corpo esteja morto por causa do pecado, o Espírito é vida por causa da justiça. Se o Espírito daquele que dos mortos ressuscitou a Jesus habita em vós, aquele que ressuscitou a Cristo dentre os mortos vivificará também os vossos corpos mortais pelo seu Espírito que habita em vós […] Pois todos os que são guiados pelo Espírito de Deus são filhos de Deus. Pois vós não recebestes um espírito de escravidão para cair no medo, mas recebestes o espírito de adoção. Quando clamamos: “Abba! Pai!" é esse mesmo Espírito testificando com o nosso espírito que somos filhos de Deus, e se filhos, então herdeiros, herdeiros de Deus e co-herdeiros de Cristo, se, de fato, sofremos com ele para que também sejamos glorificados com ele. (Romanos 8:9-11, 14-17)

Como expliquei antes, se quisermos entender o que São Paulo está dizendo aqui, temos que entender a teologia bíblica da adoção. Na Bíblia, se você é adotado em uma família, então você é genealogicamente idêntico àqueles que nasceram nessa família. Esta é a razão pela qual o próprio Jesus recebe o trono de seu pai Davi através de sua adoção por São José.

Assim, o que São Paulo quer dizer ao receber “o Espírito de adoção” é o seguinte: porque fomos adotados na família da Santíssima Trindade, nos tornamos verdadeiramente “co-herdeiros com Cristo” da herança do Pai, e como isso acontece é incrivelmente importante: Através do Espírito. O Espírito Santo é referido como “o Espírito de Cristo” e “o Espírito do Filho” precisamente porque Ele é a Pessoa pela qual o Pai está eternamente unido ao Filho no amor, por isso também nós somos incorporados ao amor que o Pai tem para Seu Filho através desse mesmo Espírito. Assim, porque fomos adotados nesta família eterna de Pai, Filho e Espírito Santo, tornando-nos co-herdeiros com o próprio Filho; isso significa que nós, pela graça, temos a mesma relação com o Pai e o Espírito que o Filho tem por natureza. Assim como o Pai ama o Filho dando-Lhe o Espírito desde toda a eternidade, assim também o Pai nos ama, Seus filhos adotivos, dando-nos esse mesmo Espírito em nossas vidas terrenas; e assim como o Filho retribui eternamente seu amor ao Pai pelo Espírito, também nós retribuímos nosso amor a Deus pelo Espírito, como diz o sacerdote em cada liturgia: “A graça de nosso Senhor Jesus Cristo, o amor de Deus o Pai, e a comunhão do Espírito Santo estejam com todos vós”.

Acredito que uma das ilustrações mais claras desse ponto está na história da Teofania, na qual proclamamos liturgicamente que “a Trindade se manifestou”. São Lucas nos diz:

Quando todas as pessoas estavam sendo batizadas, Jesus também foi batizado. E enquanto ele orava, o céu se abriu e o Espírito Santo desceu sobre ele em forma corpórea como uma pomba. E uma voz veio do céu: 'Tu és meu Filho, a quem amo' (Lucas 3:21-22)

Estabelecemos acima que o relacionamento eterno entre o Filho e o Espírito é aquele em que o Pai dá o Espírito ao Filho, e este é o próprio ato pelo qual Ele ama o Filho (assim como o Pai nos ama ao nos dar este mesmo Espírito, tornando-nos assim co-herdeiros com Cristo). Aqui, vemos uma manifestação concreta dessa realidade eterna: o Pai envia Seu Espírito Santo sobre Jesus, declarando que “Tu és meu Filho, a quem eu amo”.

E assim como o Filho retribui eternamente Seu amor pelo Pai pelo Espírito Santo, também Ele fez isso no tempo. São Paulo diz que o que significa ser um filho de Deus “no Espírito” é que o Espírito Santo habita em nós, e que todos os que são “guiados pelo Espírito” são filhos de Deus; isso corresponde diretamente a como Cristo é descrito em Lucas 4:1-18, onde, depois de receber o Espírito do Pai, Ele é “cheio do Espírito Santo”, ou seja, o Espírito habita nele, e Ele “é guiado pelo Espírito, no poder do Espírito”. É por isso que São Paulo diz a frase que seria debatida durante séculos: “Quem não tem o Espírito de Cristo não lhe pertence”, porque, como acabamos de dizer, não só o Espírito habita dentro de Cristo, mas foi pelo Espírito que o Filho foi conduzido durante o seu ministério terreno, precisamente porque, assim como o Pai mostra o seu amor pelo Filho enviando-lhe o Espírito, também o Filho retribui este amor pelo mesmo Espírito, obedientemente seguindo o comando de Seu Pai, até a Cruz. E é essa reciprocidade de amor pelo Espírito que é o sentido em que se diz que o Espírito eternamente “flui” ou “procede” do Filho, que é o princípio eterno que O capacita a nos enviar o Espírito no tempo, algo que corresponde a como o Espírito flui temporalmente de nós quando retribuímos nosso amor ao Pai pelo Espírito, que acredito ser a base bíblica para a famosa frase de São Serafim de Sarov, “adquira o Espírito de paz, e milhares ao seu redor serão salvos”.

Termino este artigo com as palavras de São Gregório Palamas (que é venerado como santo nos ritos orientais da Igreja Romana), que resumiu mais claramente o ensinamento ortodoxo sobre a processão do Espírito Santo:

[O] Espírito do Verbo supremo é como um amor inefável do Criador para com o próprio Verbo inefavelmente gerado. O amado Verbo e Filho do Pai também experimenta este amor para com o Gerador, mas o faz na medida em que possui este amor como procedente do Pai junto com ele e repousando co-naturalmente nele. Do Verbo que manteve unidade conosco através da carne, aprendemos também o nome do modo distinto do Espírito de vir a ser do Pai, e que o Espírito pertence não apenas ao Pai, mas também ao Filho. Pois ele diz: “O Espírito da verdade, que procede do Pai”, para que reconheçamos não apenas um Verbo, mas também um Espírito do Pai, que não é gerado, mas procede, mas também pertence ao Filho, que o possui do Pai como Espírito de verdade, sabedoria e palavra. Pois a verdade e a sabedoria constituem uma palavra apropriada ao Gerador, uma Palavra que se alegra com o Pai que se alegra nele, segundo o que ele disse por meio de Salomão: “Eu era aquele [isto é, a Sabedoria] que se alegrava com ele”. Ele não disse “alegrar-se”, mas “regozijar-se com”, pois essa alegria pré-eterna do Pai e do Filho é o Espírito Santo, pois é comum a eles pela intimidade mútua. Portanto, ele é enviado aos dignos de ambos, mas em seu vir a ser [causação de existência], ele pertence somente ao Pai e, portanto, também procede dele somente em sua maneira de vir a ser. (São Gregório Palamas, Os 150 Capítulos)