Como salvar sua alma

 


São Teófano, o Recluso

O que dizer à pessoa que pergunta: "Como salvar minha alma?"

Isto: Arrependa-se, e sendo fortalecido pelo poder da graça nos Santos Mistérios, ande no caminho dos mandamentos de Deus, sob a direção que a Santa Igreja lhe dá por seu sacerdócio divino. Tudo isso deve ser feito em espírito de fé sincera sem reservas.

O que, então, é fé?

Fé é a sincera confissão de que Deus, o qual é adorado, a Trindade, que criou todas as coisas e provê sobre todos, salva-nos que estamos caídos, através do poder da morte na Cruz do Filho de Deus encarnado, pela graça do Santíssimo Espírito em sua Santa Igreja. O começo da renovação, que é estabelecido nesta vida, aparecerá em toda sua glória na era futura, de um modo que a mente não consegue compreender nem a língua expressar.

Ó nosso Deus, quão grandes são tuas promessas!

Como, então, alguém anda no caminho dos mandamentos sem reservas?

Isso não pode ser respondido em uma palavra, pois a vida é coisa complexa. Eis o que é necessário:

a) Arrependa-se, e volte-se para o Senhor, admita seus pecados, chore por eles com contrição de coração, e confesse-os a seu pai espiritual. Prometa em palavra e em coração perante a face do Senhor não ofendê-lo mais com seus pecados.

b) Então, permanecendo em Deus por mente e coração, esforce-se para cumprir no corpo os deveres e ocupações os quais seu estado na vida impõe.

c) Nesta obra acima de tudo guarde seu coração de pensamentos e sentimentos maléficos - orgulho, vanglória, raiva, julgamento dos outros, ódio, inveja, desprezo, desânimo, apego às coisas e pessoas, pensamentos dispersantes, ansiedade, todo prazer sensual e tudo que separa a mente e coração de Deus.

d) Para permanecer firme nesse trabalho, decida-se antes a não afastar-se do que você reconheceu como necessário, mesmo que possa lhe custar a vida. Para alcançar isso, desde o primeiro momento, ofereça sua vida a Deus para viver, não para si mesmo, para a Deus somente.

(...)

g) As armas dessa vida são: orações na igreja e em casa, especialmente a oração mental, jejum de acordo com suas forças e as regras da Igreja, vigilância, silêncio, trabalhos físicos, confissão frequente de pecados, Santa Comunhão, leitura da Palavra de Deus e dos escritos dos Santos Padres, conversações com pessoas tementes a Deus, consultas frequentes com seu pai espiritual sobre todos os eventos da vida interior e exterior. O fundamento de toda essa luta em medida, tempo e lugar, é sabedoria, com o conselho daqueles que são experientes.

h) Guarde-se com temor. Lembre-se do fim - morte, julgamento, inferno, o reino celestial.

(...)

Ordene sua vida dessa maneira, e com a graça de Deus você será salvo.

Jerônimo sobre o primado papal

Laurent Cleenewerck


S. Jerônimo é universalmente reconhecido como um grande mestre e um homem de santidade radical, sempre lembrado por sua tradução da Vulgata Latina. Embora Jerônimo sempre tenha se considerado um membro fiel da Igreja de Roma, ele deixou a capital com suas distrações e viajou à Palestina para tornar-se monge e estudar hebraico. Lá, encontrou as Igrejas orientais em estado de enorme caos e divisão. Em suas próprias palavras ao papa Dâmaso:
Uma vez que o Oriente, sacudido como está por rixas de longa data subsistindo entre seus povos, está parte por parte rasgando a veste perfeita de Cristo tecida de alto a baixo; já que as raposas estão a destruir a vinha do Senhor; e uma vez que entre as cisternas rotas, que não retém água, é difícil descobrir a fonte selada e o jardim fechado; penso que é meu dever consultar a cátedra de Pedro, e voltar-me para a Igreja cuja fé foi louvada por Paulo.
Em nosso estudo histórico observamos os efeitos catastróficos da controvérsia ariana no Oriente. O contraste entre a estabilidade de Roma e a confusão que envolvia as Igrejas orientais era evidente: com exceção da possível falha do papa Libério, Roma permaneceu forte em defesa da fé ortodoxa. Diante de bispos concorrentes em Antioquia e outros lugares, Jerônimo percebia que a segurança de estar na Igreja devia ser encontrada em sua Igreja de Roma, a qual ele chama de "cátedra de Pedro" em um sentido especial:
Apelo por alimento espiritual na Igreja que me concedeu a vestimenta de Cristo [...] O solo frutífero de Roma, quando recebe a pura semente do Senhor, dá frutos cem por um [...]. Minhas palavras são dirigidas ao sucessor do pescador, ao discípulo da cruz. Assim como não sigo nenhum líder além de Cristo, também não estou em comunhão com ninguém senão Vossa Santidade, isto é, com a cátedra de Pedro. Pois essa é, eu sei, a pedra sobre a qual a Igreja é construída! Essa é a casa onde unicamente o Cordeiro Pascal pode ser legitimamente consumido, é a arca de Noé [...]. Nada sei de Vitalis; eu rejeito Melécio; não tenho nada a ver com Paulino. Aquele que não ajunta, espalha; aquele que não é de Cristo, é do Anticristo (Epístola a Dâmaso, 15).
Se Jerônimo sabia que a expressão "cátedra de Pedro" era legítima para todos os bispos, ele também sabia que era impossível saber quem ocupava a cátedra de Pedro em Antioquia ("Eu rejeito Melécio; não tenho nada a ver com Paulino"). No entanto, não havia essa dúvida com o bispo de Roma: ele estava certamente sentando na cátedra de Pedro de modo esplêndido e seguro.

Embora Jerônimo não tenha dito nada a respeito da jurisdição papal, ele claramente sabia para onde voltar-se quando as outras Igrejas estavam devoradas por cisma e confusão. Jerônimo considerou Dâmaso o sucessor de S. Pedro em um sentido único, o pilar da verdadeira comunhão e ortodoxia. Assim, ele implorou a ele como seu bispo: "diga-me com quem devo comunicar na Síria".

Jerônimo recebeu de Roma a informação de que Paulino era o bispo de Antioquia defendido por Dâmaso e em comunhão com ele, e foi até mesmo ordenado por ele ao presbiterado. Ele eventualmente retornou a Roma e serviu como secretário do papa Dâmaso, apenas para desapontar-se ao não sucedê-lo no pontificado. Ele retirou-se de Roma e foi para Belém trabalhar no que se tornaria a Vulgata Latina.

Olhando para o resto de sua vida e de seus escritos não há muito que se possa achar em favor da visão do Vaticano I do papado, exceto sua afirmativa factual de que "nenhuma heresia jamais teve origem lá [em Roma]" (Giles, p 159). Na verdade, as visões de Jerônimo tornaram-se pouco simpáticas a Roma de muitas maneiras.

A teoria de Jerônimo sobre o episcopado é que este surgiu por escolha eclesiástica, não por ordem divina. Assim, presbíteros eram pensados como inferiores aos bispos apenas funcionalmente, mas não de acordo com uma ordem divina. Jerônimo aplicou essa lógica aos bispos também:
Não devemos crer que a cidade de Roma seja uma igreja diferente do resto do mundo. Gália, Britânia, África, Pérsia, o Oriente, Índia, todas as nações bárbaras, adoram Jesus Cristo, e observam uma e mesma regra da verdade. Se alguém está buscando autoridade, o mundo é maior que uma cidade. Onde quer que haja um bispo, esteja ele em Roma ou em Eugubium, em Constantinopla ou em Régio, em Alexandria ou em Tanis, ele tem a mesma autoridade, o mesmo mérito, porque ele tem o mesmo sacerdócio (Epístola 146).
Em seus últimos dias, Jerônimo não parece ter concordado com qualquer tipo de jurisdição universal para o bispo de Roma. Ele louvou Polícrates por sua oposição a Victor de Roma (Giles, p. 157. "Eu [Jerônimo] cito este para mostrar um pequeno exemplo de gênio e autoridade desse homem") e lembrou seus leitores que o papa Libério havia concordado com "a doutrina herética e falsa" (Giles, p 151). Em certo sentido, ele sempre permaneceu um filho fiel da Igreja de Roma, e no entanto, sua teologia e eclesiologia o colocam - como muitos outros Padres - em uma categoria própria.

Carta de Alexei Khomiakov a William Palmer


Reverendíssimo Senhor,

Aceite meus agradecimentos de coração por sua carta amigável, e minhas desculpas pela demora em respondê-la. Não posso deixar de chamar sua carta de amigável, embora contenha alguns ataques severos a nós [ortodoxos]; uma disposição amigável existe nela, em minha opinião, e é manifesta pela honestidade de sua expressão. Penso que seus ataques são errados, em geral, mas são sinceros, e mostram um desejo honesto de encontrar a verdade. [...] Permita-me resumir suas acusações. Primeiro: 'Se pretendemos (e de fato somos) a única Igreja Católica ou Ortodoxa, devemos ser mais zelosos pela conversão das comunidades que erram, como o Espírito do apostolado, que é o verdadeiro espírito de amor, nunca pode ser extinto na verdadeira Igreja; no entanto, somos manifestamente deficientes nesse aspecto'. [...]

Admito honestamente nossa deficiência em zelo cristão, embora ao mesmo tempo procure desculpar nossa Igreja dessa acusação com respeito às comunidades ocidentais. [Minhas palavras] implicam uma convicção profunda de que a relutância do Ocidente em admitir a verdade simples da Igreja não surge da ignorância, nem de objeções racionais, mas de um obstáculo moral que nenhum esforço humano pode conquistar, se não for conquistado pelos melhores sentimentos da melhor parte da natureza humana naqueles que podem conhecer a verdade, mas não querem confessá-la. Tal disposição pode existir, embora a questão seja se existe no caso daqueles que estou falando. Não disse o Pai da Luz e Fonte do Amor, na parábola, pela boca de Abraão: 'Eles possuem Moisés e os Profetas? Se não os ouvirem, não ouvirão a Lázaro, ainda que ele fosse ressuscitado dos mortos'? Não tome minhas palavras como uma intenção de ofender. Não faria uma acusação injuriosa; tendo uma vez confessado a falta de zelo em meu país e povo [a Rússia], eu confessaria novamente. Mas minha convicção é que, de fato, no presente caso as palavras de Cristo podem ser bem aplicadas. Você está separado de nós por um obstáculo moral, cuja origem eu procurei traçar em minha carta anterior.

Mas essa mediocridade de zelo - a qual admito (em relação às nações pagãs) - implica defeito na própria Igreja Ortodoxa? Prova que ela não é mais que uma parte, ou talvez nem mesmo uma parte, da Igreja como um todo? Isso não posso admitir. Podemos considerar aí um defeito das nações para as quais a Igreja está temporariamente confiada (seja a Rússia ou a Grécia), mas de modo algum uma mancha na Igreja em si. Os caminhos de Deus são inescrutáveis. Umas poucas centenas de discípulos no espaço de dois séculos trouxeram ao rebanho de Cristo milhões de indivíduos. Se essa zelo consumidor continuasse a aquecer os corações dos cristãos, em quão pouco tempo toda a raça humana não estaria ouvindo e crendo na Palavra salvadora? Dezesseis séculos passaram-se desde aquela época; somos obrigados a confessar humildemente que a maior parte da humanidade ainda está escravizada pela escuridão e ignorância. Onde está o zelo do Apóstolo? Onde está a Igreja? Esse raciocínio provaria demais, se provasse alguma coisa. Muitos séculos, particularmente na Idade Média, e no começo da história moderno, viram poucos exemplos de conversões solitárias e nenhuma conversão nacional ou grande esforço missionário. Isso parece culpar toda a Igreja. O espírito de missões está agora gloriosamente avivado na Inglaterra, e espero que esse mérito não seja esquecido pelo Altíssimo nos dias da luta e do perigo que a Inglaterra talvez enfrente; mas essa nobre tendência é nova, ou pelo menos tornou-se aparente apenas recentemente. É um sinal de que a Igreja da Inglaterra está mais próxima da verdade agora? É prova de maiores energias ou pureza? Ninguém pode admitir isso. Ou tomemos o exemplo da comunidade nestoriana [Igreja Assíria]. Eles são geralmente ignorantes, embora a ignorância (em matéria de artes e ciências) era nossa sorte há pouco mais de um século. Os nestorianos são, em geral, pobres; mas isso não é defeito para um cristão. Eles são poucos, mas a verdade de sua doutrina não pode ser medida pelo número. Os nestorianos já foram ricos, mais instruídos e muito mais numerosos do que são no presente. Eles tinham o espírito de proselitismo! Seus missionários expandiram suas atividades por todo o Oriente, tão longe quanto a Índia ou o centro da China, e esse proselitismo não foi ineficaz. Milhões e milhões abraçaram o nestorianismo (o testemunho de Marco Polo não é o único a provar seu sucesso). Estava o nestorianismo mais próximo da verdade no tempo de seu triunfo do que em nosso tempo? O islamismo e o budismo trazem-nos a mesma conclusão. Verdade e erro tem seus tempos de ardente zelo e de comparativa frieza, e o caráter das nações certamente podem produzir os mesmos efeitos que o caráter das épocas. Portanto, não vejo razão para acusar a Igreja Ortodoxa em si mesma por um defeito ou fraqueza que pode pertencer - e em minha opinião evidentemente pertence - às nações que compõem suas comunidades.

Tendo assim distintas as notas da Igreja em si e as qualidades ou defeitos nacionais da comunidade oriental que somente a representa temporariamente, permita-me adicionar que a comparação que você faz entre o zelo dos latinos e a aparente indiferença do Mundo Oriental não é realmente justa. Não nego o fato em si, nem expresso dúvida quanto à aparente superioridade dos latinos nesse aspecto; mas não posso admitir seu espírito de proselitismo como sendo um sentimento cristão. [...] Ele é em muitos aspectos não-cristão para ser admirado, tendo produzido mais perseguidores do que mártires. [...] Nós tivemos nossos mártires, tivemos e ainda temos nossos missionários, cujo trabalho não foi infrutífero.

[...]

A Igreja não pode ser uma harmonia de discordantes; não pode ser a soma numérica de ortodoxos, latinos e protestantes. Tem que existir como harmonia interior do credo e harmonia exterior de expressão (mesmo com diferenças locais no rito). A questão não é se latinos e protestantes erraram tão gravemente a ponto de tornarem-se indivíduos privados de salvação, a qual parece frequentemente ser o objeto do debate - certamente uma questão mesquinha e indigna, pois parece lançar suspeita sobre a misericórdia de Deus. A questão é se eles possuem a verdade, e se guardaram a tradição apostólica pura. Se não guardaram, onde está a possibilidade de unidade?

Não duvide das energias da Ortodoxia. [...] Já vi a força da Igreja Oriental levantar-se, diante de agressões temporárias que pareciam fatais. E agora ela cresce, cada vez mais forte. O mundo correrá a ela. Digamos com o Apóstolo: 'Vem, Senhor Jesus'.

Alexei Khomiakov

(28 Novembro 1846)

Leia também: A Igreja é Una (Alexei Khomiakov).