Deus como Criador (Kallistos Ware)

 

O que segue abaixo é um resumo do capítulo "Deus como Criador", parte do livro O Caminho Ortodoxo.


A Natureza da Criação e o Mal

1. Por que Deus criou o universo e o que significa que a criação é um ato contínuo? Deus criou o universo não por necessidade ou obrigação, mas como um ato de seu amor livre e transbordante. O amor, em sua essência, busca compartilhar, e o amor de Deus é "extático", ou seja, o impulsiona para fora de si mesmo. Ele criou o mundo para que outros seres pudessem existir e participar da vida e do amor que são Seus. A criação não é um evento único que aconteceu no início dos tempos e depois foi deixado para funcionar por conta própria. Pelo contrário, a criação é um processo contínuo e presente. Deus não é como um relojoeiro cósmico que dá corda em sua criação; Ele sustenta ativamente cada partícula do universo a cada momento com Sua vontade amorosa. Se essa vontade criadora cessasse por um instante, o universo inteiro voltaria ao não-ser. Portanto, a afirmação correta não é "Deus fez o mundo", mas "Deus está fazendo o mundo, aqui e agora".

2. Se Deus e Sua criação são "extremamente bons", como se explica a existência do mal? O mal não é uma substância, uma "coisa" ou um ser que foi criado por Deus. O mal é, estritamente falando, uma ausência: a ausência do bem, assim como a escuridão é a ausência da luz. Ele é parasitário, existindo apenas como uma distorção ou mau uso do que é inerentemente bom. A origem do mal não reside na matéria ou no mundo físico, mas na vontade livre de seres espirituais — primeiro anjos, depois humanos — que escolheram se afastar de Deus. Portanto, o mal reside não nas coisas em si, mas na atitude e na escolha da vontade. Mesmo os demônios não são maus por natureza, mas se tornaram assim pelo mau uso de suas faculdades naturais.

A Natureza e o Papel do Ser Humano

3. Como a natureza humana é constituída e qual a importância do "espírito"? A natureza humana é uma unidade integral composta de três aspectos interdependentes: o corpo, a alma e o espírito. O corpo é o nosso aspecto físico. A alma é a força vital que anima o corpo, dotada de razão, pensamento e emoção. O espírito (pneuma ou nous em grego) é a faculdade mais elevada, o "intelecto espiritual" que nos distingue dos animais. É através do espírito que apreendemos Deus e as verdades eternas, não por meio do raciocínio lógico, mas por uma percepção espiritual direta e intuitiva. A cultura moderna, focada quase exclusivamente na razão e nas emoções, esqueceu que também somos espírito. Essa alienação de nossa dimensão mais profunda é a causa de muita inquietação e perda de sentido no homem contemporâneo.

4. Qual é a posição única do ser humano na criação, e o que significa ser um "microcosmo" e "mediador"? O ser humano ocupa uma posição única porque é a única criatura que participa simultaneamente de dois reinos da criação: o espiritual (ou "noético"), como os anjos, e o material, como o resto do universo físico. Isso o torna um "microcosmo", ou seja, um "pequeno universo" onde toda a criação se encontra e se reflete. Por causa dessa natureza dual, o homem também tem a vocação de ser um "mediador". Sua tarefa divina é reconciliar e unir os reinos espiritual e material, espiritualizando o mundo físico e oferecendo toda a criação de volta a Deus.

5. O que significa ser criado à "imagem e semelhança" de Deus? Ser criado à "imagem" de Deus refere-se ao nosso potencial fundamental, àquilo que nos torna pessoas e nos distingue dos animais: a razão, a liberdade de escolha, a agência moral e a capacidade intrínseca de comunhão e união com Deus. A imagem é um dom dado a todos os seres humanos na criação; ela pode ser obscurecida pelo pecado, mas nunca completamente destruída. A "semelhança", por outro lado, é a realização desse potencial. É o objetivo da jornada espiritual, alcançado através da cooperação voluntária com a graça de Deus, transformando nosso potencial em realidade e nos tornando perfeitos em Deus.

6. De que maneira o ser humano cumpre sua vocação de "sacerdote e rei" da criação? O homem age como o "sacerdote" da criação porque ele é o único ser capaz de reconhecer o universo como um dom de Deus e, conscientemente, oferecê-lo de volta em um ato de ação de graças (eucaristia). Ele dá voz à criação, permitindo que ela louve seu Criador. Ao mesmo tempo, o homem é o "rei" da criação porque ele é um ser criativo, feito à imagem do Deus Criador. Sua vocação não é dominar e explorar a natureza, mas transfigurá-la e santificá-la. Ele cumpre esse papel através do trabalho, da arte e da cultura, remodelando os elementos da terra (como transformar trigo em pão e uvas em vinho) para lhes dar um novo significado e oferecê-los a Deus.

A Queda, o Sofrimento e a Esperança

7. O que é o "Reino Interior" e qual a relação entre o autoconhecimento e o conhecimento de Deus? O "Reino de Deus está dentro de vós". Como o ser humano é feito à imagem de Deus, ele é um espelho do divino. Portanto, o caminho para encontrar Deus passa por uma jornada interior, pelo autoconhecimento. Ao mergulhar em seu próprio coração, em seu eu mais verdadeiro e profundo, o homem encontra um ponto de encontro direto com o Criador. No entanto, o "eu" a ser descoberto não é o ego superficial e caído, mas o verdadeiro eu, o eu que existe em Deus. Esse autoconhecimento autêntico exige arrependimento e uma "morte" para o falso eu, para que o verdadeiro eu, a imagem de Deus, possa ser revelado.

8. Como a Queda da humanidade afetou a relação do homem consigo mesmo, com os outros e com a natureza? A Queda foi uma mudança fundamental de uma existência centrada em Deus para uma existência egocêntrica. Isso gerou uma cascata de divisões. Internamente, o homem tornou-se alienado de si mesmo, com uma vontade enfraquecida e em conflito. Socialmente, ele passou a ver os outros não como um dom a ser amado, mas como objetos a serem explorados para seu próprio prazer, levando à divisão e à exploração. Em relação à natureza, ele perdeu a capacidade de ver o mundo de forma sacramental, como uma janela para Deus; o mundo tornou-se opaco, um fim em si mesmo, e consequentemente sujeito à corrupção e à mortalidade.

9. A doutrina do pecado original implica uma "culpa" herdada? Não, a tradição ortodoxa não interpreta o pecado original em termos jurídicos de uma "culpa" herdada ou uma "mancha" transmitida biologicamente através da procriação. Em vez disso, o pecado original descreve a condição em que todos nascemos. Significa que entramos em um ambiente caído, uma humanidade fragmentada, onde é muito mais fácil fazer o mal do que o bem. Estamos imersos em uma solidariedade humana de erros e pensamentos distorcidos acumulados, o que condiciona e enfraquece nossa vontade, mesmo antes de cometermos nossos próprios pecados pessoais.

10. Deus é indiferente ao sofrimento humano ou Ele próprio sofre? Um Deus de amor pessoal não pode ser um espectador indiferente à tragédia de Sua criação. O amor implica partilha, compaixão e envolvimento. Portanto, Deus não permanece impassível diante do sofrimento do mundo. Ele se identifica com a angústia de Sua criação. O livro sugere que havia uma "cruz no coração de Deus" muito antes de haver uma cruz de madeira plantada em Jerusalém. As lágrimas de Deus se juntam às dos homens, pois Ele compartilha da dor de um mundo caído, uma dor que Ele mesmo, na Encarnação, viria a experimentar de dentro.

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