O papa Júlio I exerceu jurisdição universal em seu tempo?




Os apologistas católicos costumam citar a carta do papa Júlio I aos bispos orientais (quando ele reprova a condenação de S. Atanásio), dizendo:
"E por que nada nos foi dito sobre a Igreja dos alexandrinos em particular? Ignorais que o costume era que a palavra fosse escrita primeiro para nós, e depois uma decisão justa fosse tomada deste lugar? Se, então, tal suspeita recaiu sobre o bispo de lá [Atanásio], a notificação deveria ter sido enviada à igreja deste lugar [isto é, Roma]" (registrado por Atanásio em Apologia Contra Arianos, I, 2).
Com isso querem demonstrar que Júlio alegava possuir jurisdição universal. Contudo, imediatamente antes a carta também diz:
"Supondo, como afirmastes, que alguma ofensa recaiu sobre essas pessoas, o caso deveria ter sido conduzido contra elas, não dessa maneira, mas de acordo com o Cânon da Igreja. A palavra deveria ter sido escrita para todos nós, para que uma sentença justa pudesse proceder de todos. Pois os sofredores eram bispos e igrejas não comuns, mas aquelas que os próprios apóstolos governaram em suas próprias pessoas."
Júlio não estava falando de uma decisão monocrática dele, mas sim de um concílio de bispos. De fato, a própria carta não era individual, mas, como S. Atanásio recorda, enviada em nome "do Concílio de Roma".

Além disso, ele não apela a uma prerrogativa divina, mas sim ao "costume" da Igreja. Nada mais justo, considerando que Roma era a "Primeira Sé" (detinha um primado, não uma supremacia) e de certo modo representava todo o Ocidente.
 
Os bispos orientais também haviam escrito ao papa Júlio que "a Igreja de Roma tinha direito à honra universal, porque era a escola dos apóstolos, e se tornou a metrópole da piedade desde o início, embora os introdutores da doutrina tenham se estabelecido lá do Oriente. [Mas] eles acrescentaram que um segundo lugar em questão de honra não deveria ser atribuído a eles, porque não tinham vantagem de tamanho ou número em suas igrejas" (História Eclesiástica, III, 8, de Sozomeno). Basicamente, eles rejeitaram ser tratados como inferiores em autoridade à igreja de Roma.
 
Como o papa respondeu a isso? Dizendo que sua autoridade era superior por direito divino? Não, esta foi a resposta de Júlio quanto a esse ponto:
"Agora, se vós realmente acreditais que todos os Bispos têm a mesma e igual autoridade, e, como agora afirmastes, não os considerais de acordo com a magnitude de suas cidades; aquele a quem é confiada uma pequena cidade deve permanecer no lugar que lhe foi confiado."
Apenas isso! Pela resposta de Júlio, ele não viu problemas na afirmação dos orientais de que sua autoridade em Roma era "a mesma e igual" a deles. Antes, procurou convencê-los pelos argumentos e pelo entendimento comum dos bispos.

Um pouco depois, foi realizado o Concílio de Sardica para examinar a questão de S. Atanásio. Segundo Atanásio relata, o bispo espanhol Ósio (a quem Atanásio chama "o pai dos bispos" em História dos arianos, VI, 46) presidiu o concílio, no qual foi dada a decisão final da questão: "Portanto, declaramos que nossos amados irmãos e colegas ministros Atanásio, Marcelo e Asclepas, e aqueles que ministram ao Senhor com eles, são inocentes e livres de ofensas".

O historiador Sócrates também relata que Máximo, bispo de Jerusalém, fez o mesmo que Júlio havia feito com seu concílio de bispos em Roma e também "restaurou Atanásio" à sua sé. Ele narra:
"Máximo, portanto, sem demora enviou alguns dos bispos da Síria e da Palestina, e reunindo um concílio, ele restaurou Atanásio à comunhão e à sua antiga dignidade. Depois disso, o Sínodo comunicou por carta aos alexandrinos e a todos os bispos do Egito e da Líbia, o que havia sido determinado a respeito de Atanásio" (História Eclesiástica, II, 23, de Sócrates).
Nada disso significa que o bispo de Jerusalém tinha jurisdição ordinária sobre Alexandria, apesar das palavras fortes usadas ("ele restaurou Atanásio", "o que havia sido determinado"). Esses eventos apenas mostram que o episcopado de uma região assumia responsabilidade também por outras, quando a necessidade exigia.
 
De fato, não era incomum que os bispos agissem assim diante de situações graves. O historiador Sócrates conta, no contexto da controvérsia entre S. Cirilo de Alexandria e João de Antioquia, que um "depôs" o outro e depois, reconciliados, cada um "reintegrou" o outro em sua Sé:
"João [de Antioquia]... tendo convocado vários bispos, depôs Cirilo, que também havia retornado à sua sede: mas logo depois, deixando de lado a inimizade e aceitando-se como amigos, eles se reintegraram mutuamente em suas cadeiras episcopais" (HE, VII, 34)

Isso não significa que o bispo de Antioquia acreditasse ter jurisdição ordinária sobre Alexandria (ou vice-versa).

É nesse sentido que o papa Júlio agiu, porém não sozinho (e sim reunido no concílio de Roma). E nem por isso a questão deixou de ser reexaminada em outros concílios locais (Sardica e Jerusalém).

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