A ira de Deus e o perdão




Pe. Patrick Henry Reardon

A Igreja sempre pensou na ira de Deus como uma metáfora descritiva de Sua "resposta negativa" ao pecado. A expressão significa a incompatibilidade metafísica do mal moral com a Fonte da bondade. Quando a Bíblia, então, fala da raiva de Deus, indica Sua reprovação punitiva e extrema daquilo que é radicalmente oposto ao Seu ser.

Se a ira de Deus é entendida desse modo, fica claro que ninguém pode aplacar ou apaziguá-La. Ou seja, é metafisicamente impossível para Deus tornar-se, de alguma maneira, menos irado em relação ao pecado. A "resposta negativa" do Senhor não pode ser diferente do que é, pois é uma expressão de Sua verdade intrínseca. Enquanto Deus é Deus, o pecado necessariamente é objeto de Sua ira. Nada feito na terra - nada realizado pelo próprio Cristo - altera a natureza divina. Consequentemente, é impossível ao Deus bíblico ser outro além do
'El qanna' - o Deus zeloso (Êxodo 20:5).
A Sagrada Escritura também indica, entretanto, ocasiões em que Deus "volta atrás" de Sua ira.
Muitas vezes desviou deles o seu furor, e não despertou toda a sua ira (Salmos 78:38).
O que desvia a ira de Deus - o que O faz perdoar pecados - é invariavelmente o arrependimento do homem.

Como um exemplo entre muitos, 2 Crônicas 29 ilustra esse ponto. Quando Judá levantou a ira divina por uma sucessão de infidelidades, o rei Ezequias chamou a Nação ao arrependimento e propõs uma renovação da Aliança, de modo que, o rei disse,
se desvie de nós o ardor da sua ira (2 Crônicas 29:10).
Um século depois, Jeremias conferiu à experiência de Ezequias a força de um princípio, declarando que:
Se a tal nação, porém, contra a qual falar se converter da sua maldade [mera’ato], também eu [o Senhor] me arrependerei do mal [‘al-hara’ah] que pensava fazer-lhe (Jeremias 18:8).
Até os pagãos ninivitas - para quem Jonas não havia dito uma só palavra de esperança sobre o assunto - suspeitaram que este era o caso:
Mas os homens e os animais sejam cobertos de sacos, e clamem fortemente a Deus, e convertam-se, cada um do seu mau caminho, e da violência que há nas suas mãos. Quem sabe se se voltará Deus, e se arrependerá, e se apartará do furor da sua ira, de sorte que não pereçamos? (Jonas 3:8-9).
Em toda a Bíblia, não consigo pensar em nenhuma exceção à este padrão: o homem arrepende-se, Deus perdoa.

Mais frequentemente, esse arrependimento é expresso em oração, como no caso dos ninivitas. Por exemplo, o Salmo 107 (Grego 106) fala de quatro punições das quais o povo de Deus foi livrado quando orou.

Talvez o caso mais relembrado de oração de arrependimento foi aquele atribuído ao profundamente humilhado Davi, o qual convencera-se de que o Senhor não desprezaria um coração quebrado e contrito. Quando Davi voltou-se ao Senhor ofendido, orou, não para que Deus se acalmasse, mas para que Ele escondesse Sua face:
Esconde a tua face dos meus pecados - Haster paneka meachta’ai (Salmos 51:9)
O sacrifício que Deus exigia dele, Davi sabia, era um coração contrito e arrependido, e tal foi o sacrifício que Davi ofereceu. Aqui, como em toda a Bíblia, o perdão divino é a resposta à oração humana.

Oração arrependida é como o homem afasta a ira de Deus. Não há outro caminho.

De fato, é útil considerar esse salmo davídico em mais detalhes, já que a Igreja sempre apelou a ele em conexão com o perdão dos pecados. Davi ora para que seja completamente limpo de suas iniquidades e lavado de seus pecados. Ele implora para que seja purgado com hissopo e feito branco como a neve. De acordo com essa oração, o sacrifício exigido é voltar a mente e a alma para Deus. A verdadeira oferta queimada é um coração contrito.

Aquele que ora este salmo, então, é certamente consciente da ira divina; é familiar com a desaprovação radical de Deus. Conhece sua culpa, e confessa sua ofensa. Ele está orando, além disso, para ser perdoado e restaurado.

O que a alma arrependida procura aqui, então, é mais do que fazer o Senhor esconder sua face da ofensa. A salvação nesse salmo consiste em mais que a remoção da "culpa de sangue" [damim]. O homem que faz essa oração está buscando comunhão com Deus:
Torna a dar-me a alegria da tua salvação (v. 12).
É um pedido de renovação do Espírito Santo. O salmista é explícito sobre este ponto: o propósito do arrependimento é a aquisição do Espírito Santo através da pureza do coração. Um, de fato, é inseparável do outro:
Cria em mim, ó Deus, um coração puro, e renova em mim um espírito reto [Ruach nakon]. Não me lances fora da tua presença, e não retires de mim o teu Espírito Santo [Ruach qadsheka]. Torna a dar-me a alegria da tua salvação, e sustém-me com um espírito voluntário [Ruach nedibah] (v. 10-12)
O pecador arrependido busca aqui a verdadeira Redenção, um genuíno estar unido a Deus pelo Espírito Santo.

Ele não está buscando de Deus uma declaração de justiça, mas uma transformação interior.

O que ele busca é a restauração à amizade com Deus.

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