A essência de Deus


"Se tu desejas falar ou ouvir a respeito de Deus", teologiza São Basílio, o Grande, "renuncia a teu próprio corpo, renuncia a teus sentidos corporais, abandona a terra, faz com que o ar esteja abaixo de ti; passa sobre as estações do ano, seu arranjo ordenado, os adornos da terra, coloca-te acima do éter, atravessa as estrelas, seu esplendor, grandeza, e os benefícios que elas provem para o mundo todo, sua boa ordem, brilho, arranjo, movimento e o vínculo ou distância entre elas. Tendo passado através de tudo isso em tua mente, vá para o céu e postando-te acima dele, só com teu pensamento, observa as belezas que lá estão, os chefes arcanjos, a glória dos Domínios, a presidência dos Tronos, os Poderes, Principados, Autoridades. Tendo passado por tudo isso e deixado para trás toda criação em teus pensamentos, elevando tua mente acima dos limites dela, apresenta tua mente à essência de Deus, imóvel, imutável, inalterável, desapaixonada, simples, complexa, indivisível, luz inaproximável, poder inexplicável, magnitude infinita, glória resplandecente, infindável bondade, beleza incomensurável que golpeia poderosamente a alma ferida, mas que não pode ser validamente descrita em palavras".

Tal exaltação de espírito é demandada de alguém que quer falar com Deus! No entanto, ainda que nessa condição, os pensamentos humanos são capazes somente de permanecer nos atributos da divindade e não na verdadeira essência da divindade.

Há na Sagrada Escritura palavras concernentes a Deus que "tocam" ou "chegam perto" da ideia de Deus em Sua verdadeira essência. São expressões que são compostas de tal modo que, na sua forma, elas respondem não só à questão "que tipo" — isto é, quais são os atributos de Deus, mas elas parecem também responder à questão "quem" — isto é, "quem é Deus?"

Tais expressões são:

"Eu sou Aquele que é" (em hebreu, Jeová; Ex 3:14)

"Eu sou o Alfa e o Omega, o princípio e o fim, diz o Senhor, que é, e que era, e que há de vir, o Todo-Poderoso" (Ap 1:8)

"Mas o Senhor Deus é a Verdade" (Jer 10:10)

"Deus é espírito" — As palavras do Senhor para a mulher samaritana (Jo 4:23)

"Ora o Senhor é Espírito" (2 Cor 3:17)

"Deus é luz, e não há Nele treva nenhuma" (1 Jo 1:5)

"Deus é amor" (1 Jo 4:8,16)

"Nosso Deus é um fogo consumidor" (Heb 12:29)

No entanto, tais expressões também não podem ser entendidas como indicações da verdadeira essência do Deus único; e com relação ao nome "Aquele que é", os Padres da Igreja disseram que ele "de alguma forma" (a expressão é de São Gregório, o Teólogo) ou "como parece" (São João Damasceno) é um nome da essência. Apesar de mais raramente, esse mesmo significado foi dado aos nomes "Bem" e "Deus," na língua grega — Theos, significando "ele que vê." Distinto de todas as coisas "existentes" e criadas, os Padres da Igreja aplicaram para a existência de Deus o termo "Ele que é acima de todos os seres," como no kontakion, "a virgem agora dá a luz a Ele que é acima de todos os seres." A expressão do Velho Testamento "Jeová," "Aquele que é," que foi revelada por Deus ao Profeta Moisés, tem justo tal significado profundo. Isso quer dizer: quando dizemos que Deus é "Aquele que é", nós dizemos que Ele "é" num sentido superlativo e não da maneira que toda sua criação "é"; isto é o mesmo que afirmar que Ele é o "único que está acima de todos os seres" (Kondakion da Natividade de Cristo).

Assim, pode-se falar somente nos atributos de Deus, mas não da verdadeira essência de Deus. Os Padres se expressam só indiretamente a respeito da natureza da divindade, dizendo que a essência de Deus é "uma, simples, não complexa". No entanto, essa simplicidade não é algo sem distinguir características ou contendo; ela contem em si própria a totalidade das qualidades da existência; "Deus é um mar de ser, incomensurável e ilimitado" (São Gregório, o Teólogo); "Deus é a completude de todas as qualidades e perfeições em sua mais alta e infinita forma" (São Basílio, o Grande); "Deus é simples e não complexo; Ele é inteiramente sentimento, inteiramente espírito, inteiramente pensamento, inteiramente mente, inteiramente fonte de todas as coisas boas" (Santo Irineu de Lyon).

- Padre Michael Pomazansky, Teologia dogmática ortodoxa

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