A morte do Messias em Gênesis 15


A morte do Messias (Jesus) não foi um evento acidental, mas o cumprimento necessário e literal de uma promessa que o próprio Deus fez a Abraão milhares de anos antes.

Essa promessa foi selada durante uma cerimônia antiga de "cortar uma aliança", onde Deus, de forma surpreendente, colocou-se no lugar de Abraão e assumiu sobre Si mesmo a penalidade pela quebra da aliança: a morte.

A morte de Jesus, portanto, é entendida como o momento em que Deus cumpre Sua palavra, pagando a penalidade que Ele próprio jurou pagar em Gênesis 15.

Vamos entender como a Escritura apresenta essa promessa.

O Contexto: "Cortar uma Aliança" no Mundo Antigo

É preciso primeiro entender como as alianças (pactos solenes) eram ratificadas no antigo Oriente Próximo.

O Termo: Em hebraico, a expressão para "fazer uma aliança" é karat berit, que literalmente significa "cortar uma aliança" (há uma expressão similar no inglês: "to cut a deal")

A Cerimônia: A cerimônia envolvia o corte de animais. As partes da aliança (por exemplo, dois reis) sacrificavam animais, cortavam seus corpos ao meio e colocavam as metades no chão, criando um "caminho de sangue" entre elas.

O Juramento: Os participantes então caminhavam juntos por esse caminho de sangue. Este ato era um juramento de auto-maldição. Ao caminhar entre as peças, cada parte estava declarando simbolicamente: "Que o que aconteceu a estes animais aconteça a mim se eu falhar em cumprir minha parte nesta aliança. Que eu seja partido ao meio, que meu sangue seja derramado."

A Evidência Bíblica da Prática (Jeremias 34)

Esta prática não é apenas uma teoria antropológica; ela é explicitamente descrita na Bíblia como um evento real com consequências reais. No livro de Jeremias, Deus invoca esta mesma cerimônia ao pronunciar julgamento sobre os líderes de Judá que quebraram seu pacto de libertar seus escravos.

Deus diz, através do profeta:

"Entregarei os homens que transgrediram a minha aliança e não cumpriram os termos da aliança que fizeram diante de mim, quando cortaram o bezerro em dois e passaram entre as suas partes... sim, eu os entregarei nas mãos de seus inimigos... Seus cadáveres servirão de comida para as aves do céu e para os animais da terra." (Jeremias 34:18-20)

Esta passagem é a chave: ela confirma que caminhar entre as peças era um juramento, e a penalidade por quebrá-lo era a morte, espelhando o destino dos animais.

O Evento Central: A Aliança com Abraão (Gênesis 15)

Em Gênesis 15, Deus promete a Abraão descendência e a terra de Canaã. Abraão, buscando segurança nessa promessa, pergunta: "Senhor DEUS, como saberei que hei de possuí-la?" (Gênesis 15:8).

Em resposta, Deus não oferece uma palavra, mas instrui Abraão a realizar esta exata cerimônia de "cortar uma aliança".

A Preparação (Gênesis 15:9-10): Abraão traz uma novilha, uma cabra, um carneiro, uma rola e um pombinho. Ele corta os animais maiores ao meio e organiza as metades, criando o "caminho de sangue".

O Sono de Abraão (Gênesis 15:12): Quando o sol está se pondo, um "sono profundo" e uma "densa escuridão" caem sobre Abraão. Ele é colocado em um estado de total passividade. Ele não pode andar, não pode fazer juramentos.

A Ação de Deus (Gênesis 15:17): Ocorre o momento mais crucial da aliança. Abraão, adormecido, é uma testemunha passiva do que acontece a seguir:

"E sucedeu que, posto o sol, houve densas trevas; e eis um fogareiro fumegante e uma tocha de fogo, que passaram por entre aqueles pedaços." (Gênesis 15:17)

A Interpretação Teológica: Deus Assume a Penalidade

O fogareiro fumegante e a tocha de fogo são uma teofania (uma manifestação visível de Deus, assim como a coluna de fogo no Êxodo ou a sarça ardente).

No ritual padrão, ambas as partes deveriam caminhar pelo caminho de sangue. No entanto, em Gênesis 15, Abraão (a parte humana, a parte menor, a parte que inevitavelmente falhará) está adormecido. Somente Deus passa entre as peças.

O significado teológico é profundo:

* Deus não está apenas fazendo Sua promessa ("Eu cumprirei minha parte").

* Ao passar sozinho, Deus está assumindo unilateralmente ambos os lados do juramento. Ele está tomando o lugar de Abraão.

* Deus está efetivamente dizendo: "Eu juro por mim mesmo. Eu cumprirei Minha promessa de bênção. E se esta aliança for quebrada – não 'se Eu a quebrar', mas 'se ela for quebrada' (por você, Abraão, ou seus descendentes) – Eu assumirei a penalidade. Que o que aconteceu a estes animais aconteça a Mim. Eu pagarei. Eu morrerei."

Vários acadêmicos e teólogos articulam essa visão. O historiador bíblico Ray Vander Laan explica que Deus, sabendo que Abraão e seus descendentes não poderiam guardar a aliança perfeitamente, "efetivamente disse: 'Se ou você ou Eu quebrar esta aliança, Eu pagarei por ela com Meu próprio sangue'".

O proeminente teólogo do Antigo Testamento, Walter Brueggemann, ao comentar sobre Gênesis 15, observa a natureza radical deste ato. Ele sugere que, para Deus (que não pode morrer) fazer tal juramento, "teria que significar que Deus encontraria uma maneira de morrer... para manter a promessa".

O Cumprimento: A Morte do Messias

A história bíblica subsequente é o registro da falha humana em manter a aliança (o pecado de Israel e de toda a humanidade). A penalidade da aliança, a morte (conforme simbolizado pelos animais e afirmado em Jeremias 34), tornou-se devida.

A morte de Jesus na cruz é, portanto, interpretada como o cumprimento literal daquele juramento. É Deus, encarnado como o Messias, "caminhando pelo caminho de sangue" em favor da humanidade. Ele se torna o sacrifício, pagando a penalidade da aliança quebrada para que a promessa da bênção de Deus a Abraão pudesse ser mantida e estendida a todas as nações.

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