Sobre a penitência (Metropolita Hilarion Alfeyev)

 

'Arrependei-vos, pois o reino dos céus está próximo' (Mt 3:2). Com estas palavras, proferidas por São João Batista, Jesus Cristo conduz a sua própria missão (Mt 4:17). O cristianismo em sua origem era um chamamento para o arrependimento, a conversão para uma 'mudança de mente' (metanóia). Uma transformação radical do seu modo de vida e de pensamento, um espírito renovado e um sentimento de rejeição das ações e pensamentos inspirados pelo pecado, uma transfiguração da pessoa humana. Esses são os principais elementos da mensagem de Cristo.

O arrependimento é sinônimo da palavra 'retorno'. Arrependimento significa afastar-se da vida de pecado e voltar para Deus. O modelo de arrependimento é oferecido por Jesus Cristo na parábola do filho pródigo (Lc 15:11-24). Depois de levar uma vida de pecado 'em um país distante', ou seja, longe de Deus, o filho pródigo, depois de ter passado por muitas tribulações, retorna a si mesmo e nisso decide voltar para seu pai. Seu arrependimento começa com a conversão ('veio a si mesmo'), que se transforma em uma decisão de retorno ('eu vou levantar e seguir'), para posteriormente retornar a Deus ('Ele levantou-se e foi'). Segue uma confissão ('Pai, pequei contra o céu e contra ti'), que leva ao perdão ('Rápido, traga a melhor roupa'), adoção ('filho meu') e ressurreição espiritual ('Ele estava morto e reviveu'). Daí, vemos que o arrependimento é um processo dinâmico, um caminho para Deus, e não apenas a consciência de seus pecados.

No sacramento do batismo cristão, todos os pecados são perdoados. No entanto, "não há homem que vive sem pecados". Os pecados cometidos após o Batismo privam a pessoa humana da plenitude da vida em Deus. Daí a necessidade de um "segundo" batismo, um termo usado pelos padres da Igreja para denotar o arrependimento e destacar a energia que ele tem de purificar, renovar e santificar. O sacramento da penitência é a cura espiritual para a alma. O pecado, dependendo de sua gravidade, causa na alma uma pequena lesão ou uma mácula substancial, doenças, por vezes graves, ou mesmo incurável. 

Para manter a boa saúde espiritual, as pessoas devem fazer visitas regulares ao seu confessor, que é o médico da alma: 'Você pecou? Vá à igreja, faça penitência por seu pecado [...]. Há aqui um médico, não um juiz. Aqui, a pessoa é uma condenada, mas todos recebem o perdão dos pecados', diz São João Crisóstomo. 

Desde o início do cristianismo, os apóstolos, bispos e presbíteros, recebem confissões e concedem a absolvição. Cristo disse aos discípulos: 'O que ligares na terra será ligado no céu,e o que desligares na terra será desligado nos céus' (Mateus 18,18). Este poder de 'ligar e desligar', transmitido aos apóstolos e através deles, aos bispos e padres, é expresso na absolvição por parte do sacerdote, a aqueles que se arrependem, em nome de Deus.

Mas por que é necessário confessar seus pecados a um padre, um irmão em humanidade? Não é suficiente dizer tudo a Deus e receber dele a absolvição? Para responder a essa pergunta, devemos lembrar que na igreja cristã, um padre não é apenas uma 'testemunha' da presença e da ação de Deus; na verdade, quando o padre atua nas celebrações litúrgicas e nos sacramentos, o próprio Deus está presente através dele.

A confissão dos pecados é sempre dirigida a Deus, e o perdão é sempre dado por ele. Ao aceitar a ideia da confissão na presença de um sacerdote, a Igreja tem sempre em conta um fator psicológico: você pode não se sentir envergonhado ao apenas fazer uma lista dos seus pecados diante de Deus, mas é sempre constrangedor revelar esses pecados a outro ser humano. Além disso, o padre é um diretor espiritual, um conselheiro que pode dar conselhos sobre como evitar tais e quais pecados no futuro.

O sacramento da Penitência não se limita a uma simples confissão de pecados. Implica também em recomendações, por vezes em sanções do padre, quando especialmente no sacramento da Penitência, o sacerdote, age na sua qualidade de pai espiritual. Se o penitente deliberadamente esconder alguns dos seus pecados, seja por vergonha ou por qualquer outro motivo, o sacramento não será considerado válido. Portanto, antes de receber o penitente para a confissão, o padre avisa que a confissão deve ser sincera e completa: 'Não tenha vergonha ou medo, não esconda nada de mim [...] mas se você está escondendo algo, você estará pecando ainda mais'. 

Dietrich Bonhoeffer sobre a regulação da natalidade


O casamento envolve o reconhecimento do direito à vida que vai surgir, mas esse não é um direito que está à disposição do casal. Sem o reconhecimento básico desse direito, o casamento deixa de ser casamento e se torna um [mero] relacionamento. Ao reconhecer este direito, entretanto, é dado espaço ao livre poder criativo de Deus, que pode desejar deixar uma nova vida surgir deste casamento. Matar o fruto no ventre da mãe é ferir o direito à vida que Deus concedeu à vida em desenvolvimento. A discussão da questão de saber se um ser humano já está presente confunde o simples fato de que, em qualquer caso, Deus deseja criar um ser humano e que a vida desse ser humano em desenvolvimento foi deliberadamente tirada. E isso nada mais é do que assassinato. Vários motivos podem levar a tal ato. Pode ser um ato de desespero proveniente das profundezas da desolação humana ou da necessidade financeira, caso em que a culpa geralmente recai mais sobre a comunidade do que sobre o indivíduo. Pode ser que neste exato ponto o dinheiro possa cobrir uma grande quantidade de comportamento descuidado, ao passo que entre os pobres até mesmo as ações feitas com grande relutância vêm mais facilmente à luz. Sem dúvida, tudo isso afeta decisivamente a atitude pessoal pastoral de cada um para com a pessoa em questão; mas não pode mudar o fato do assassinato. A mãe, para quem essa decisão seria desesperadamente difícil porque vai contra sua própria natureza, certamente seria a última a negar o peso da culpa.

É também uma interferência no direito de desenvolver a vida, quando no casamento a vinda de uma nova vida é impedida em princípio, quando o desejo de ter um filho é totalmente excluído. Essa atitude básica difere do significado do casamento em si e da bênção que Deus concedeu ao casamento por meio do nascimento de um filho. Mas essa recusa fundamental da progênie em um casamento deve ser distinguida do controle de natalidade responsável concreto [em contraste a isso, o Catecismo Romano (2.7.13), p. 333, equipara contracepção com aborto e descreve ambos como assassinato]. Justamente porque a reprodução humana é uma questão de vontade de ter seu próprio filho, a razão responsável participa da tomada de decisões; o instinto cego não pode simplesmente receber rédea solta e depois alegar que é especialmente agradável a Deus. De fato, podem haver sérias razões em casos concretos para considerar a limitação do número de filhos. A questão do controle de natalidade se tornou uma questão candente nos últimos cem anos, e a prática foi aprovada por círculos generalizados em todas as denominações. Isso não pode ser simplesmente atribuído a um afastamento da fé e falta de confiança em Deus. Está indubitavelmente ligado ao crescente domínio da natureza pela tecnologia em todas as áreas da vida e às indiscutíveis vitórias que a tecnologia no sentido mais amplo conquistou sobre algumas realidades naturais, por exemplo, na diminuição da mortalidade infantil e no aumento significativo da média de idade da população. A população da Europa multiplicou-se várias vezes em termos absolutos ao longo dos últimos cem anos, apesar de uma queda constante da taxa de natalidade. Do ponto de vista da preservação da espécie, a redução da mortalidade infantil torna necessários menos nascimentos. Aqueles que censuram a tecnologia por mimar as pessoas a ponto de não estarem mais dispostas a fazer o sacrifício de cuidar de uma grande família não devem esquecer que foi precisamente o progresso tecnológico que tornou possível o crescimento surpreendentemente rápido da população europeia.

Essa consideração poderia levar a pensar no controle da natalidade amplamente praticado hoje como uma espécie de reação natural ao crescimento quase incontrolável dos povos europeus, como uma espécie de respiradouro natural da espécie humana. Essa observação geral não nos isenta, entretanto, da questão sobre da moralidade do controle da natalidade em si. A teologia moral católica se opõe fundamentalmente e, como resultado, o mesmo acontece com a instrução católica no confessionário. Isso leva a várias dificuldades. Mesmo a teologia moral católica admite a possibilidade de casos em que filhos adicionais em um casamento devam ser evitados, embora - com razão! - raramente permita a validade de tais casos. Seria errado, portanto, censurar a teologia moral católica por permitir rédea solta para cegar os instintos naturais nessas questões, enquanto exclui a responsabilidade humana e a razão de operar nesta área. Mas a moralidade católica, em princípio, conhece apenas um meio de alcançar esse objetivo: a abstenção completa [Nota do tradutor: Bonhoeffer está escrevendo antes da Humanae Vitae, que oficializou no catolicismo a possibilidade da regulação dos nascimentos pela abstinência periódica]. Assim, ele mina a base corporal do casamento e, portanto, ameaça abolir e destruir o próprio casamento, retirando-lhe um direito fundamental. Além disso, exige da maioria das pessoas algo que não pode ser alcançado. É difícil imaginar que o arrependimento no confessionário por tal falha pudesse ser honestamente combinado com a resolução de renunciar a esse pecado para sempre. A teologia moral católica baseia seu rigorismo na visão de que o comportamento que impede deliberadamente o propósito natural do casamento, a saber, a reprodução, não é natural. Na verdade, não limita o propósito do casamento à reprodução, como costuma ser defendido. Kant foi o primeiro a fazer isso! Mas não quer permitir que o propósito secundário do casamento, a comunhão sexual, contradiga o propósito primário, a reprodução. Por mais plausível que essa argumentação possa parecer, ela se envolve em dificuldades insolúveis. Elimina a não naturalidade da contracepção, mas substitui isso pela não naturalidade de um casamento sem comunhão corporal.

Além disso, no que diz respeito à naturalidade do comportamento, não faz diferença em princípio se a razão responsável participa de uma decisão de abstenção da comunhão sexual a partir de agora, ou de uma decisão a favor da continuação da comunhão sexual. Nem a indulgência ilimitada com os instintos cegos, nem a abstinência conjugal, nem a contracepção resolvem o problema colocado aqui, e nenhum desses comportamentos possíveis tem, em princípio, qualquer vantagem sobre o outro. É muito importante que, nessas circunstâncias, a consciência não seja sobrecarregada de maneira errada. De fato, pode ser necessário fazer as exigências mais rigorosas por causa do mandamento de Deus, mas os fatos aqui não são tão claros. Precisamos abrir espaço para a liberdade de uma consciência responsável perante Deus. Todo rigorismo inautêntico pode levar a consequências desastrosas apenas nesta área, desde o farisaísmo até a rejeição completa de Deus [Não pode haver dúvida de que a posição da moralidade católica neste ponto afastou completamente incontáveis homens do confessionário. O católico aceitar isso de olhos abertos pode demonstrar a força de sua convicção, mas mesmo assim pode ter consequências imprevisíveis].

Neste sentido, em nome da integralidade do matrimônio, não se pode deixar de reconhecer o direito à plena comunhão corporal, baseado no amor do casal casado, que é distinto, mas nunca separado do direito à reprodução. Ao mesmo tempo, deve-se conceder que esse direito da natureza será reconhecido pela razão, porque é um direito humano. A forma como a natureza e a razão se relacionam em casos individuais só será decidida com responsabilidade em cada caso. Mas então deve ser admitido abertamente que não há diferença de princípio entre os métodos que a razão escolhe usar. Como isso indica, é uma grande sorte, que também evita muitos conflitos internos, quando a natureza e a razão estão tão em sintonia uma com a outra que toda essa gama de problemas no casamento não precisa ser levantada. Que esta boa fortuna seja concedida a relativamente poucos na geração de hoje é um fardo que devemos suportar com responsabilidade. É irresponsável, porém, desconfiar dessa boa fortuna e jogá-la aos ventos onde ela existe. Finalmente, a percepção de que a fé cristã pode alcançar essa boa fortuna por meio da graça só pode ser indicada aqui para discussão posterior.

~ Trecho retirado do livro Ethics.