Sobre as aparições em Fátima


Ao ler a Documentação disponibilizada pelo Santuário de Fátima, pude perceber algumas coisas curiosas sobre as aparições tão veneradas no catolicismo.

A primeira referência à Rússia é fornecida pela irmã Lúcia em 1930. Antes disso - isto é, nas várias entrevistas iniciais e depoimentos - a Rússia não é mencionada nem pelas crianças, nem pelos numerosos depoimentos de pessoas envolvidas.

Somente nas memórias de Lúcia, escritas na década de 40, é que aparece pela primeira vez a referência à Rússia "espalhar seus erros pelo mundo" e à profecia sobre o início da segunda Guerra Mundial. A irmã Lúcia não revelou essas palavras da aparição senão depois daqueles fatos terem ocorrido.

Com relação aos fenômenos solares, a documentação traz muitos depoimentos de testemunhas. Chama atenção a disparidade dos relatos: alguns narram um espetáculo de luzes, cores e movimentos no céu (que também já foi reportado nas aparições de Medjugorje), outros reportam apenas um fenômeno "breve" semelhante a um eclipse. Alguns dos primeiros relatos focam nas "manifestações de fé" do povo e suas emoções, deixando em aberto o que realmente aconteceu (por exemplo, em páginas 72 a 77).

Um fato estranho é que, nas primeiras aparições, o Padre que entrevistava as crianças se sente incomodado com algo incomum: as crianças descrevem que a Senhora usava saia "só até os joelhos". Segundo o Padre, a Virgem Maria não poderia aparecer senão com a máxima modéstia. Mas a descrição da aparição nas entrevistas iniciais com os videntes (em 1917) é assim:
– Como é que está vestida?
– Tem um vestido branco, que desce até um pouco abaixo do meio da perna, e cobre-lhe a cabeça um manto, da mesma cor, e do mesmo comprimento que o vestido.
– O vestido não tem enfeites?
– Veem-se nele, na parte anterior, dois cordões dourados, que descem do pescoço e se reúnem por uma borla, também dourada, à altura do meio do corpo.
– Tem algum cinto ou alguma fita?
– Não tem.
– Usa brincos nas orelhas?
– Usa umas argolas pequenas e de cor amarela.
Posteriormente, todas as descrições da saia da aparição vão até os pés, numa aparente tentativa de "corrigir" as videntes (no que a irmã Lúcia colaborou). Nenhum brinco aparece nas imagens oficiais.

Outro fato estranho - para dizer o mínimo - é o desencontro de informações sobre o fim da primeira Guerra Mundial. Na entrevista em 19 de outubro de 1917, com vidente Lúcia (p. 99), lê-se:
– No dia treze do corrente Nossa Senhora disse que a guerra acabava nesse mesmo dia? Quais foram as palavras que empregou?
– Disse assim: "A guerra acaba ainda hoje; esperem cá pelos seus militares muito em breve"
(...)
– Mas olha que a guerra ainda continua!... Os jornais noticiam que tem havido combates depois do dia treze!... Como se explica isto, se Nossa Senhora disse que a guerra acabou nesse dia?
– Não sei. Só sei que lhe ouvi dizer que a guerra acabava no dia 13. Não sei mais nada.
– Algumas pessoas afirmam que te ouviram dizer nesse dia que Nossa Senhora tinha declarado que a guerra acabava brevemente. É verdade?
– Disse tal e qual como Nossa Senhora tinha dito.
E na entrevista com Jacinta (p. 104):
– Disse: Venho aqui para te dizer que não ofendam mais a Nosso Senhor, que estava muito ofendido, que se o povo se emendasse acabava a guerra, se não se emendasse acabava o mundo. A Lúcia ouviu melhor do que eu o que a Senhora disse.
– Disse que a guerra acabava nesse dia ou que acabava brevemente?
– Nossa Senhora disse que quando chegasse ao Céu acabava a guerra.
– Mas a guerra ainda não acabou!...
– Acaba, acaba.
– Mas então quando acaba?
– Cuido que acaba no Domingo.
Depois, na entrevista com Lúcia em 2 de novembro de 1917 (p. 121):
– Não disse mais nada?
– Disse: "a guerra acaba hoje e esperem cá pelos seus militares muito breve".
Na verdade, a guerra somente acabou por volta de um ano depois. Já numa entrevista em 1924, Lúcia procura desfazer o engano (p. 321):
Parece-me que disse ainda deste modo: 'Convertam-se, a guerra acaba hoje, esperem pelos seus militares muito breve'. A minha prima Jacinta disse-me em casa que a Senhora falou assim: 'Convertam-se que a guerra acaba dentro dum ano'. Como estava a pensar nos pedidos que queria fazer a Senhora, não deitei bem sentido.
Essa mesma Lúcia, que se confundiu sobre o conteúdo da predição do fim da guerra, posteriormente, isto é, na década de 40, narrou outras profecias sobre o começo da segunda Guerra (infelizmente, quando esta já tinha se iniciado).

Do ponto de vista teológico, a aparição também tem aspectos problemáticos. Em The Appearances of Fatima and Orthodox Christianity, somos alertados que "dizer... que devemos fazer 'reparação pelos pecados cometidos contra o Imaculado Coração de Maria' literalmente a coloca no lugar de Deus". O texto também critica o conceito materialista de graça presente nas aparições, como se esta fosse um tipo de mercadoria a ser armazenada e distribuída em troca de boas obras.

Miriam Lambouras, em The Marian Apparitions, mostra como muitas aparições semelhantes a Fátima podem ter contribuído para uma visão distorcida de Cristo:
Igualmente duvidosa é a sugestão de substituir o 'Cristo Deus nosso, paciente, todo misericordioso, cheio de compaixão, que ama os justos e tem misericórdia dos pecadores', por uma figura distante, impessoal, irado, empenhado em punição e vingança. A aparição de La Salette diz, "Eu [Maria] não posso mais segurar o braço pesado de meu Filho"; a aparição de Fátima: "... já está Ele muito ofendido". Em San Damiano, 1961, "O Pai Eterno está cansado, muito cansado...". Em Oliveto Citra, Itália, em 1985, novamente ouvimos, "Eu não posso mais segurar o braço justo de meu Filho". Os ditos ecoam os ensinamentos desequilibrados, porém muito populares, de alguns santos e pregadores Latinos do passado, em que o Reino de justiça de Cristo estava oposto ao Reino de misericórdia de Maria. 'Se Deus está irado com um pecador, Maria o toma sob sua proteção, ela impede o braço vingador de seu Filho e o salva' (Afonso de Ligório). 'Ela é o seguro refúgio dos pecadores e criminosos do rigor da ira e vingança de Jesus Cristo'; ela 'previne o mal que Ele [Cristo] faria ao culpado' (Jean-Jacques Olier). 
Desmond Seward em The Dancing Sun afirma: 'Um dos aspectos mais perturbadores dessas aparições é que a Virgem aparece como uma figura autônoma, enquanto Cristo está estranhamente ausente. É ela quem chora pelo estado pecaminoso da humanidade, ela quem decide quem será curado ('alguns Eu curarei, outros não').
Curiosamente, é sabido que Lúcia ouvia de sua mãe histórias da obra catequética "Missão Abreviada" (1859), o qual continha uma narrativa da aparição de La Salette, com todos os elementos da aparição de Fátima: a Senhora que "segura o braço pesado de seu Filho", a revelação de "segredos" sobre o "fim dos tempos e a perseguição do Santo Padre", visões do inferno, etc.

De tudo isso, concluo que não temos elementos de profecia legítima para confirmar a origem divina desses eventos. Ao invés, há motivos para desconfiar da origem deles ou suspender, prudentemente, o juízo.

A regeneração batismal no Novo Testamento



Sempre que o batismo é mencionado nas Escrituras, ou alguma lição importante sobre ele é ensinada, ele aparece conectado diretamente à salvação. Em absolutamente nenhuma passagem é dito que o batismo "representa" ou "significa" alguma coisa, mas sempre são usadas expressões fortes que o indicam como instrumento de Deus para conferir a graça.

Vejamos como o Novo Testamento trata do batismo em suas partes.

Evangelhos

Em João 3:5, Cristo diz a Nicodemos: "Na verdade, na verdade te digo que aquele que não nascer da água e do Espírito [ex hydatos kai Pneumatos], não pode entrar no reino de Deus".

O evangelho de João começa com a pregação de João Batista, o qual, segundo somos informados, batizava "com água". Mas o próprio João Batista faz um contraste entre seu batismo e o batismo de Cristo: "O que me mandou a batizar com água, esse me disse: Sobre aquele que vires descer o Espírito, e sobre ele repousar, esse é o que batiza com o Espírito Santo" (João 1:33).

Pouco depois, vemos Jesus falar da necessidade de nascer não somente "da água" (o que seria o batismo de João), nem somente "do Espírito", mas "da água e do Espírito", conjuntamente. Somente o sacramento do batismo, instituído pelo próprio Cristo posteriormente (Mateus 28:19-20), cumpre plenamente o sentido dessa passagem. A realidade do novo nascimento é a graça de que Jesus fala a Nicodemos, mas esta graça é conferida pela instrumentalidade da "água" do batismo.

Já em Marcos 16:15-16, lemos Cristo dar a seguinte ordem: "Ide por todo o mundo, pregai o evangelho a toda criatura. Quem crer e for batizado será salvo; mas quem não crer será condenado". Este é o ponto mais importante. Crer e ser batizado leva à salvação. Cristo não incluiria aqui, nessa frase de tanta importância, uma referência a um ato simbólico sem relação com a salvação. É mais plausível ler esse texto em harmonia com o resto do Novo Testamento, ou seja: o batismo é um instrumento usado por Deus para conferir a graça, que leva à salvação.

Epístolas paulinas

Em suas epístolas, quando o apóstolo Paulo lembra os cristãos de que "fomos batizados em Jesus Cristo", diz que "fomos sepultados com ele pelo [dia] batismo" (Rom. 6:4). Esse sepultamento com Cristo no batismo é apresentado como uma realidade espiritual de consequências tremendas. Estamos "mortos para o pecado" (6:2) e "nosso homem velho foi com ele crucificado" (6:6), diz o Apóstolo, portanto não podemos permanecer no pecado.

Aos gálatas ele diz: "todos quantos fostes batizados em Cristo vos revestistes de Cristo [Christon enedysasthe]" (Gal. 3:27). Não há exceção: todos os batizados em Cristo se revestiram dele. Logo, "todos vós sois um em Cristo Jesus" (Gal. 3:28).

E aos colossenses: "estais circuncidados com a circuncisão não feita por mão no despojo do corpo dos pecados da carne, pela circuncisão de Cristo; sepultados com ele no [en to] batismo, nele também ressuscitastes pela fé no poder de Deus" (Col. 2:11-12).

As expressões usadas são significativas: fomos sepultados com Cristo "pelo" batismo e "no" batismo, e por isso "nos revestimos" de Cristo. Em todas essas passagens, o apóstolo descreve o fruto (a regeneração) como pertencendo a todos os cristãos indistintamente e usa uma expressão referente à instrumentalidade do batismo ("no", "pelo"). Em nenhum momento o Apóstolo usa expressões referentes a um simbolismo.

Ainda, em Tito 3:5, Paulo diz que Deus "nos salvou pela lavagem da regeneração e da renovação do Espírito Santo". Os simbolistas alegam que a "lavagem" aqui é uma realidade puramente espiritual, não-sacramental. Mas à luz das passagens acima, é bem compreensível por que toda a Igreja primitiva via nessa passagem mais uma referência ao batismo como instrumento da regeneração.

Em Efésios 5:26, Paulo diz que Cristo entregou-se por sua Igreja, "para a santificar, purificando-a com a lavagem da água, pela palavra". Aqui também podemos ver uma referência ao batismo, sendo que a "palavra" é a promessa pronunciada nele: "seja batizado em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo".

Atos

No livro de Atos, vemos o mesmo padrão. O apóstolo Pedro diz a uma multidão que esperava a doutrina da salvação: "Arrependei-vos, e cada um de vós seja batizado em nome de Jesus Cristo, para perdão dos pecados [eis aphesin ton hamartion]; e recebereis o dom do Espírito Santo" (Atos 2:38). O batismo é administrado "para perdão dos pecados", não meramente para simbolizar um perdão já recebido de outra maneira.

Os defensores de uma interpretação simbólica alegam que, neste contexto, a palavra grega aqui traduzida como "para" deve ser entendida como "em referência ao". Ou seja, não denotaria instrumentalidade, mas apenas um símbolo. O problema é que essa tradução é defendida apenas pela própria noção preconcebida de que o batismo não poderia efetuar nada. Ao lermos o contexto da passagem, vemos que os ouvintes "compungiram-se em seu coração", e perguntaram a Pedro e aos demais apóstolos: "Que faremos?" (2:37). Eles queriam uma resposta clara sobre a salvação, uma resposta que aliviasse suas culpas trazendo a solução. A resposta de Pedro foi direta. Além disso, praticamente todas as traduções indicam a instrumentalidade do batismo aqui.

Ainda em outra passagem de Atos, Ananias diz ao recém-convertido Paulo: "E agora por que te deténs? Levanta-te, e batiza-te, e lava os teus pecados, invocando o nome do Senhor" (22:16). Isso corrobora a interpretação acima. Novamente, vemos a conexão imediata entre a graça (do perdão dos pecados) e a recepção do batismo, de maneira incompatível com um batismo meramente simbólico. O esforço dos defensores de um batismo simbólico, aqui, é dizer que a lavagem dos pecados está atrelada apenas ao ato de invocar o nome do Senhor, e não à recepção do batismo. Mas isso novamente justifica-se tão somente por uma noção preconcebida.

Pedro

Em 1 Pedro 3:20:21, é ensinado: "... os quais noutro tempo foram rebeldes, quando a longanimidade de Deus esperava nos dias de Noé, enquanto se preparava a arca; na qual apenas algumas pessoas, a saber, oito, foram salvas por meio da água [di’ hydatos], e isso prefigura [antitypon] o batismo que agora também vos salva [nyn sōzei baptisma] - não a remoção da sujeira do corpo, mas a indagação de uma boa consciência diante de Deus - por meio da ressurreição de Jesus Cristo".

No texto grego, o apóstolo Pedro chama o batismo de antitipo, ou seja, a realidade espiritual que é figurada pelo dilúvio. Na tipologia bíblica, a realidade figurada é sempre maior que o tipo que a prefigura. O argumento de Pedro é que, assim como Noé foi salvo da ira temporal de Deus pelas águas ou nas águas do dilúvio, nós também somos salvos agora pelo batismo.

Uma objeção levantada pelos simbolistas nessa passagem é que Pedro aparentemente qualifica sua afirmação, ao dizer que a ação salvífica do batismo não consiste na "remoção da sujeira do corpo", mas sim na "indagação de uma boa consciência". Mas é exatamente isso que a regeneração batismal afirma: que o efeito do batismo não é, conforme aparenta exteriormente, a remoção da sujeira do corpo, porque age interiormente (servindo de instrumento a Deus, é claro) para a remoção da sujeira da alma. O argumento é que, diferentemente das ordenanças do Antigo Testamento, o batismo não consiste apenas em "abluções e justificações da carne" (Heb. 9:10). A interpretação simbolista levaria à conclusão contrária, igualando o batismo às cerimônias antigas sem eficácia.

Conclusão

Talvez, depois de ler esses argumentos, o leitor pense: então o que acontece com quem não foi batizado? A Igreja sempre ensinou que, enquanto nós estamos condicionados pelos meios de graça estabelecidos por Deus, ele não está condicionado por esses meios. Deus pode regenerar almas sem o uso do batismo. A necessidade do batismo é ordinária, não absoluta, desde que não haja o desprezo pelo sacramento.

Outra pergunta comum é: o batismo confere essa graça a todos que o recebem, mesmo aqueles que não creem verdadeiramente? A doutrina da regeneração batismal não atribui ao batismo um poder mágico, como se fosse possível ser salvo sem arrependimento, sem fé, sem amor, unicamente em virtude do sacramento. Na realidade, o batismo exige certas disposições (Atos 8:37), em especial a fé e o arrependimento (essas disposições, é claro, somente são possíveis pela graça de Deus que já opera antes da recepção do batismo). Os adultos que receberam o batismo sem essas disposições, não precisam recebê-lo de novo, mas não terão seus frutos enquanto não forem renovados pelo arrependimento.

Em conclusão, o Novo Testamento mostra é que o batismo é um verdadeiro meio de graça, que confere a regeneração àqueles que o recebem. É obra de Deus, não um ato humano. No batismo, a água e o ministro que o administra são apenas instrumentos nas mãos de Deus.